Respiração

Isolava-se de novo. Uma janela pequena, só para ter-se a si mesma como sempre costumou ter. Da solidão usual, sobrou essa nostalgia saudosa que, mesmo escolhida, ainda era uma parte essencial de sua humanidade, uma fidelidade a sua própria alma. Sentou-se foi no banco da praça. Era o Sol que se punha em silêncio, o vento de um abraço celestial.

Aquele instante de reencontro, que tinha significado por tanto tempo a única fuga de uma tempestade, e que naquele novo momento era uma vista distante de uma chuva que já havia passado, foi sequestrado. O instante foi roubado, de repente, por um cheiro que invadiu-lhe violento, sem bater na porta. A distração em que ela havia mergulhado apenas aumentou o susto, fragilizou as pernas. Mas isso não era justo.

Não era justo que ela recebesse visitas sem que fosse avisada, não era. O perfume não poderia ter ido ao seu encontro dessa forma, mas foi; e, sem controle, se encarneceu: o perfume quase se tornou carne. Era covarde bater em alguém que já estava ferido, dar um tiro a mais em quem já está imóvel. Mas Amor nenhum já havia respeitado os lugares do homem. Naquela hora, viu ele na rua; esse Amor que tinha ido lhe ver sem que ela soubesse estava vivendo bem na sua frente – seu corpo na forma do vento, o Sol com o seu sorriso, o horizonte perdido e tão longe era o Amor, tão perto.

Doía que lhe viesse assim, que estivesse nessa fragilidade. Fingir que ela era uma pessoa com as rédeas da própria vida, acima dos acidentes de percurso de todos os dias, racional e compreensiva, isso lhe doía. O cheiro que ela sentiu, a solidez que esse cheiro quebrou, mostrou que esse controle era todo falso: ia ao chão por qualquer coisa pequena.

Ainda que se ver tão fraco doesse, a maior dor era não poder tocar. O cheiro suspenso no ar era uma eternidade fria, clandestina, sem permissão para um beijo, sem a alegria de duas mãos dadas. Não tinham o direito de sentir seus corpos, nem nunca tiveram. O Amor estava vivo, sequestrando sua paz – e o que é que ela poderia fazer? Tocar o ar, que ia embora pelos seus dedos? Nada.

E na solidão tão escura, na companhia tão vaga, restou-lhe uma única coisa. Se eram só ela e o ar, então respirou. Contra todas as permissões, ela sentiu-lhe dentro de si. Aquele Amor entrou na sua boca, beijou seus lábios e viveu dentro do seu corpo. Amou-lhe, sozinha.

E mesmo nessa mistura de duas amas, carregou esse segundo corpo por pouco tempo. Esse amante fugaz veio lhe visitar para se despedir. O mesmo silêncio ainda pintava as suas mãos, o ar lhe deixava. Tristemente rápido. Uma última gota do seu Amor passou pelas suas unhas e se desgarrou, nada que lhe segurasse. Mas Amor nenhum já havia respeitado os lugares do homem.

Aquela tarde ficou muito mais silenciosa – a solidão é um vácuo pesado, uma forma de silêncio que é tão mais inquieta quanto o próprio silêncio. Ela se sentiu frágil. Muito mais frágil que antes, e o mundo não se comunicava mais. O horizonte, o Sol, o ar, que ainda estavam lá, eram silenciosos. Caminhar por aquela praça, tentar voltar para casa: era um tempo de tortura, era a vulnerabilidade. Era mais uma vulnerabilidade.

De longe, aquela velha chuva pareceu voltar. Ela subiu os olhos, em desespero, que ainda tinha medo. A nuvem cinza vinha rápida, e aquela solidão que enclausurava tão rápido quanto: o abandono que ela sentia crescia como o medo de uma nova tempestade. Naquela caminhada só para encontrar de novo o medo à sua frente, ela apenas pôde suspirar.

Ela apena pôde respirar – ar que saía e entrava no seu corpo. E esse não era o ar silencioso do Sol e do horizonte. A centelha de vida que ela respirou era o Amor que ela amou em silêncio. Subiu os olhos mais uma vez para a tempestade, que mesmo estando mais próxima e mais cinza, não era mais suficiente: e então ela se surpreendeu: percebeu que não era mais a mesma; tinha andando um passo dentro de si.

Não apressou os passos, mas ousou sorrir. Quis contemplar o medo que existia, e a audácia de andar.

– Chuva nunca foi nada além de água.

Amor nenhum já havia respeitado os lugares do homem.

BebêAzul
Enviado por BebêAzul em 16/02/2018
Reeditado em 19/03/2018
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