Aconteceu na gafieira (fevereiro de 2018)

Amábile conhecera Joaquim em um baile de gafieira em uma terça-feira de carnaval. Rompeu com ele um dia mais tarde, na quarta-feira de cinzas. As lentes muito grossas dos óculos de Amábile não podem levar a culpa de forçar a jovem míope a ver demais. A jovem, de fato, não pôde suportar saber da infidelidade do namorado.

Tudo começou, como não poderia ser diferente (era carnaval) foi na festa de gafieira! Aquele mulato jeitoso, requebrando para ela cada uma das articulações do corpo, era muito atraente. Joaquim fizera a corte à princesa, o que é verdade encantaria qualquer plebeia. O homem era o rei da noite e estava lá, fazendo meneios com o corpo para ela.

As duas colegas que a acompanharam até o arrasta-pé fugiram de cena. Na certa, namoravam na cercania do clube, provavelmente na marina encima das pedras, junto às ostras e caranguejos. A moça de óculos fundo de garrafa era mais tímida, e desde que entrara no baile ali fincara o pé a observar seu homem distraidamente, sem sorrir.

Pediu o terceiro copo de batida de rum com leite de coco que descobriu chamar-se Piña Colada antes de corresponder pela primeira vez aos sucessivos meneios de Joaquim. Mas a espera de nenhuma forma desanimou o dançarino carnavalesco. Pé de valsa que era saltava, caía de pernas abertas, levantava e depois girava em um só pé.

Ela então sorriu e o monarca se avizinhou. Tomou a mão de Amábile e a beijou. Alguém soltou fogos no instante em que o homem lhe beijava a mão e isto (não sabia se como efeito da bebida) fez com que os pelos (recônditos ou explícitos) se arrepiassem todos instantaneamente.

Depois Joaquim conduziu-a pela mão para um lugar tranquilo no fundo do salão, atrás do palco em que cantava a banda de músicos. Devido ao isolamento acústico de uma parede que formava um corredor de saída ali era possível conversarem. Chegando lá o monarca era só elogios, só galanteios.

O namorico atrás do palco culminou, depois de mais dois drinques de Piña Colada para Amábile, em um lânguido beijo na boca. Não se dava conta, mas já estava ali havia duas horas. E este tempo não foi o suficiente para conhecer o namorado. Este gabava-se de ser o rei da praia: um mergulhador experiente que era só ela querer para ele mostrar!

No embalo da noite, trocaram contatos e combinaram em encontrar-se no outro dia. As colegas de Amábile que a procuravam por toda parte finalmente a encontraram e, como a banda já não tocava mais, esse era o sinal de que era acabada a festa, que fossem todos embora. Com um beijo de namorado que a moça arrancou de Joaquim, despediram-se.

Uma das colegas de Amábile, a Rosinha, tentou adverti-la: “Esse aí pega uma para cada dia da semana, amiga, sinto te falar...” Mas a moça abobalhada com a noite, a música, as estrelas que via no céu, não lhe deu ouvidos. A manhã do dia seguinte telefonaria para Joaquim e almoçariam juntos.

Já às nove horas da manhã estava com um pente na mão para afeitar os cabelos. Tinha a impressão de que o rei poderia ver a sua majestade através do telefone. Procurava memorizar as palavras para a conversa telefônica enquanto tomava uma xícara de café. Então sentiu-se pronta para a conversa telefônica. Discou do celular para botar banca.

“Joaquim? Amábile...” e ele, “Dormiu bem”? Estava tudo bem para os dois, e combinaram de se encontrar na pracinha do bairro. Ele de carro, ela a pé mesmo, mas ela preferia que fosse assim à possibilidade de ele conhecer logo de primeira o cortiço pobre onde a moça morava.

Um gol prata ano dois mil e cinco parou na pracinha e quem dirigia era ele o tal! Entrou no carro e foi recebida com um beijo lânguido na boca. Depois, combinaram onde ir. Como propagandeara na noite anterior seus dotes de mergulhador, iam comer maionese de lagosta. Amábile ajeitou-se na poltrona e timidamente concordou “que estava bem”.

Algo lhe atingiu em cheio nos colhões assim que entrou no restaurante. O homem urrou de dor. Não poderia ser outra a história por detrás da violência que lhe acometeu, farrista contumaz que era: uma loura bonita, muito atarracada mas de belos quadris atingiu-lhe com uma mão cheia de gelo na região pubiana do monarca.

Amábile apenas observou, compreendendo tudo, mas sem emitir palavra. A loura gritou, “Não tem vergonha não? Quem essa aí?” Ele completou, “Neném, depois explico, fica com raiva não, isso doeu, sabe?” E ela respondeu a Amábile então, antes de afastar-se dos dois, “Este aí me conheceu no sábado. Fomos à churrascaria, depois...”

A mulata montava a história aos poucos, com o que dizia a loira. Teve a sensação de uma queimação que subiu dos calcanhares até a cabeça. Depois, teve vontade de chorar. Joaquim notou isso de rapidamente e apressou-se a concertar a situação: “tesouro, vamos a outro restaurante, não ligue, isso são águas passadas”.

Deu-lhe um tabefe na cara e saiu do lugar em busca de um táxi. Não foi difícil encontrar um na esquina. O homem, caminhando com dificuldade por conta do murro nas partes baixas, insistia em segui-la, repetindo “tesouro, tesouro”! A moça pediu ao taxista que a levasse a sua casa. Chegando lá, escondida do restante da família, chorou a tarde inteira.

A música, a multidão, as Piñas Coladas, o rei malabarista. A manhã ensolarada, o gol, a loira, o gelo nos bagos. Não havia uma razão verdadeira para arrepender-se, pois de fato não tinha culpa das fanfarrices, da boemia, dos hábitos de mulherengo de Joaquim. Mas é que Rosinha havia lhe avisado e ela não se permitiu despertar do sonho encantado...

“Uma mulher burra é pior que três jumentas prenhas”, pensou Amábile. Suspirou quando chegou a noite, feliz porque já terminava a festança do carnaval. Estava mais limpa porque livre da festança que lembrava o monarca. Neste dia não quis falar com ninguém. Engoliu um comprimido de aspirina, um copo d’água, e dormiu.