Um Conto Caiçara

Parte I As luzes das Ilhas

Despertei logo cedo, um pelicano pousou na minha janela, provavelmente algum barco vindo da noite ancorou no píer, sinto uma felicidade e liberdade genuínas, não àquela vendida à parcelas de 12x sem juros, não tenho TV, telefone ou internet, além do mais, quando há necessidade, vou à biblioteca Guimarães Rosa, não muito longe daqui, lá, encontro Mariana, uma jovem de pele negra, 1,65, corte de cabelo afro, graduada em letras, administra aulas noturnas de alfabetização para adultos e durante o dia trabalha na biblioteca.

Abstive-me daquele conceito de sociedade, não suportava mais aqueles escritórios, conversas nauseantes, elevadores tão cheios e ao mesmo tempo tão vazios. ruas mortas, parecia estar vivendo nas páginas de um romance de Saramago; cansei-me, fechei meu apartamento, liquidei qualquer dívida que pudesse haver então parti. Sou um ex Jornalista mas hoje trabalho consertando barcos, em sua maioria pesqueiros, também sou escritor nas horas vagas, mas escrevo somente motivado pelo prazer de escrever, o som das ondas quebrando na praia é pura inspiração... como poetizou Caymmy.

“A onda do mar leva

A onda do mar traz

Quem vem pra beira da praia, meu bem

Nunca mais quer voltar”

Com toda certeza eu não quero voltar, encontrei neste lugar o meu pedaço do paraíso, nunca fora tão prazeroso caminhar no Domingo de manhã até a padaria e no trâmite se deparar com a Feira, onde pescadores, agricultores, artesões e tantos outros trabalhadores comercializam livremente seus produtos, não há o porque de percorrer distâncias até os grandes centros, todo o necessário é produzido aqui e nada contêm agrotóxicos, um consenso que se tornou uma espécie de política do Vilarejo; como de costume, eu aceito uma prova do queijo da Dona Lúcia, sempre prazenteira e uma dose de cachaça do alambique de meu amigo Guilherme.

Enquanto aguardo a próxima fornalha de pães, encontro o Senhor Lopes, pessoa de cabelo grisalho e um tanto estrábico, ex-militante que lutou nas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro por quase todo o período da Ditadura e teve a felicidade de sair vivo daqueles porões. Falamos da forte chuva que havia caído na última terça e sobre a Dona Aranha que mal conseguiu subir meio metro pela parede, após alguns minutos de espera, a fornalha saiu juntamente com o café, ambos sentamos à mesa e comemos nosso desjejum.

Ao terminar, paguei minha conta e me despedi do Senhor Lopes que ainda permaneceu sentado lendo seu jornal, ao retornar para casa, fiz uma parada na tenda do Dr. Anderson Correia, um botânico simpático a política do Vilarejo de não agrotóxicos, ele vem a nós trimestralmente; faz tempo que desejo cultivar minha própria horta, então comprei algumas sementes de batata, cenoura, alface para começar... também húmus de minhoca e terra vegetal para usar como adubo, eu estava tão ansioso que logo ao chegar em casa, fui até a área detrás do quintal, separei em partes iguais um espaço de 3x3 para cada espécie de semente, então plantei, adubei e por último, reguei.

O resto do dia se passou tranquilo, os senhores Ribamar e Alberto, sentados na praça, adversários ferrenhos no jogo de dama, o velho cargueiro atravessando a linha férrea que cruzava o Vilarejo todos os dias, sem exceção, naquela tarde caminhei até o píer e encontrei Mariana sentada à beira,fiz-lhe companhia até ao anoitecer, quando as luzes nas ilhas começaram a se ascender.

Ph Vieira
Enviado por Ph Vieira em 27/01/2018
Reeditado em 19/04/2021
Código do texto: T6237838
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