ela é do sumiço

O Sumiço

Primeiro escondemos as panelas, mas Zilda achava pouco, que devíamos esconder mais coisas. Sugeriu todas as facas e colheres. Achei precipitado, mas logo concordei, escondemos todas embaixo do assoalho. Logo pensamos em algo maior, algo grande, que causasse um grande impacto.

“O rádio ou a televisão, papai não vai aguentar”. Decidimos pelo rádio, por causa de sua paixão pelo futebol, mas insatisfeitos tiramos também a televisão. Nem imagino como ela ficou assim, Zilda era impaciente, achava pouco, queria mais destaque.” Por telefone não dar pra falar. vamos marcar uma reunião para as quinze horas”. Na hora certa esperei por ela, chegou esbaforida e sem que tomasse ar quase gritou, “vamos esconder a cama deles”. Preciso pensar, respondi pra ela cheio de dúvida. Naquele dia nem quis sair com o pessoal, fiquei no quarto pensando nisso. escrevi muito sobre o assunto, até que me veio a luz.

Fui até seu quarto e perguntei que horas pensava em fazer isso. Marcamos para o dia seguinte depois que eles saíssem para o trabalho. O quarto ficou vazio sem a cama. Quase que deu pena, quase que sentimos alguma coisa. Quase. Os olhos de Zilda brilhavam, parecia mesmo que ela estava sentindo. Depois a mesa, as cadeiras, o móvel de madeira maciça de imbuia que mamãe herdou da tia Isaura, o pôster do guarani, campeão brasileiro, o guarda-roupa, os quadros que meu irmão pintou durante o curso colegial.

Os dias foram passando, o tédio foi se tornando algo muito doloroso. Eu sabia que essas sensações iam mexer com a Zilda. Ela não suportava a vida sem novidades, então ela mais uma vez me ligou da escola, no telefone ela falou alto com a voz embargada: “Eu preciso fazer alguma coisa sumir senão vou enlouquecer”

Eu disse pra ela que as coisas significativas já tinham sido todas escondidas, e que não imaginava que algo que sobrou causasse grande impacto. Foi quando ela me olhou com os olhos cheio de apetite e perguntou se nossa mão gostava de nosso pai. Afirmei que sim, não tinha como negar, olha como ela fica quando ele está por perto. Essa era a informação que ela queria saber. Então me chamou no fundo do quintal e fez questão de observar que estava agindo assim porque não tinha saída: vamos sumir com o papai. Não! e ela disse. sim! com muita veemência como se já estivesse decidido. fiquei perturbado, não podia dar resposta na hora, afinal de contas também era meu pai e eu gostava dele.

Sai daquela situação e fui direto para o bar, foi a primeira vez que bebi, fiquei zonzo, trançando as pernas, cheguei em casa quase caindo, deitei na cama e desmaiei ali mesmo. No dia seguinte ela me acordou já com os planos feitos. E foi assim que vi a última vez meu pai.

Seguiu uma época de paz, a serenidade tomou conta de sua vida, ela se tornou alegre, se tornou feliz, fazia seus trabalhos domésticos com gosto, estudava até tarde para as provas da escola, suas notas melhoraram e finalmente arrumou um namorado que lhe agradava. As coisas pareciam seguir um rumo bom. No entanto, o movimento dela foi ficando menos, sentia seu esmorecimento aparecendo, toda aquela exuberância foi consumida, ela faltava na escola e terminou com o namorado, seus assuntos em sua maioria eram desagradáveis. Então um dia, vindo da escola, ela foi ao meu encontroa, olhou de um jeito estranho pra mim e perguntou se minha mãe gostava de mim...