Holoceno

Por muito tempo eu estive à disposição de meus sonhos, carregados de metafísica, de desprezo e vislumbre pela oportunidade de Ser. Um guru ontológico, parte aramaico, parte onisciência para algum Lutero. Eu não dou um 'viva' à loucura; não deem agora à essa minha, pois, a modernidade, (vos digo!), é uma festa de suicidas à procura de séquito. (Vai pensamento, sobre as asas douradas de teu escravo, buscar teu sol à clavícula.)... Eu não consigo ter pena de meu irmão, sinto muito, mas não é para mim, quer dizer, pena é uma palavra muito feia, exagerada em sotaques de todos os credos, eu sei (como também deverias), eu não consigo ter compaixão, eu não consigo ter esse tipo de compaixão que se abre misericordiosa a cada novo ápice estendido no Gólgota. Não é para mim, decididamente. "Ora, que má estilística apresentai, acaso não sabeis que se perdem as histórias quando sufixadas por advérbios?". Não espere de mim um bonzo perfeito e chinês a delinear caligrafias sem o verbo nominal, não espere, não espere. Judaicamente não espere que eu me torne sentença aos pés de Rabi; e eu queria ser a prostituta enamorada de Cristo, por Cristo ser enamorado como poucos ao final daquela tarde em que Jerusalém ousou incriminar em tortura seu Mais-Que-Perfeito Parágrafo aos olhos do Templo, e o mês de Nissan como uma serpente que se devora de si em apelo a Javé; o alimento estava a mão, bastasse um arco e a história se encarregaria de fazer o profeta emoldurar sua vinda quando fosse notoriamente preciso, eis a história dos judeus afinal, sempre uma postergação, em parte porque não falam aramaico como um dia souberam, em parte porque denotam em proficiência a fome pelo ananás perdido nos quarenta anos de deserto... E eu queria ser a prostituta enamorada por Cristo, lavar os pés e o torso de meu Rabi em pias de alabastro se me fosse possível, mas sou um homem, com necessidades de Ser, e eu grafo em maiúsculas todo nervo óptico e central do que se me vai formando, como agora. Como agora em que encontro um corpo ao quintal. E vejo e sinto e oro a exumação. Pedes-me ajuda? Nego-te. Dai a outra face e te encontro em iconografias de santos médios a morrerem de tediosa anorexia para a averiguação de algum sonho. E queres meu sonho? Este que não ouso sonhar? Espera comigo algum tempo o final desta tarde chuvosa em que breve se dissolve arrebol e terás de mim o sonho de geração, uma escatologia como querem crer os que se formam por livros e se esquecem de que não é preciso anotações a dar conta de índigos, basta a indiferença e posso de sentir a meu Cristo e com ele um sonho que ao teu cadáver profana, porque somos da mesma carne, pus teu verbo ao canto da boca e segurei tua morte como há muito aprendi. E não senti teu luto como não aprendi teu desprezo, e, no entanto, olho tuas mãos como agradável ao afago lisonjeiro que premeditaste, pois creio em apostas, e premeditaste um afago ao útero de meus cânceres. E nisto vai agora um segredo: eu sou aquele que vela os que sibilam a profecia, qualquer profecia, sou o que interditado de sono à medida em que se veste o crepúsculo, defendo undécima praga para quem sempre um motivo à diatribe. E se não posso dormir, remisso um quarto de tempo a necessidade em olhar o teu corpo e te entendo, por Deus, como te entendo, ó fratura exposta de meu desejo submisso em teu poros, és a negação do oásis, és um eu perdido e casmurro a contento. Miragem de um cérebro inflacionado em que os sonhos apenas interposição de quimeras e estas um olhar comiserioso à fraude que se quer passar por utopia, mas não Cristo, tampouco meus sonhos.

Guilherme Furtado
Enviado por Guilherme Furtado em 09/10/2017
Código do texto: T6137873
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.