Coautores

Nietzsche abre o seu anticristo dizendo: Não são todos os meus leitores, a mim cabem os gloriosos, aqueles que vencem as amarras. Egocentrismos a parte, digo eu o mesmo: Não são todos os meus leitores. Ou deveria então dizer coautores, já que na realidade da vida jamais somos nós os autores únicos de nossa própria história.

Se assim fosse, viveríamos o devaneio de uma criança e o outro seria não mais que um objeto. Vivemos num mundo de sujeitos, e sujeitos tem voz, desejo e fé. Os sujeitos alheios sujeitam nossa própria história e nunca, jamais, seremos capazes de mudar isso.

Nos resta então enunciar, como mais de uma vez fez o filósofo, que não somos de pertença de qualquer leitor, de qualquer coautor. Nem todos serão os que nos entendem e nem todos os que devem ter o direito de escrever á canetas (nem sempre coloridas) no papel da nossa vida.

Claro que nem sempre seremos capazes de ordenar quem será aquele que pode colocar-se dentro de nós, e se pudéssemos voltaríamos então ao sonho da criança que quando cria o seu castelo põe nele apenas os príncipes mais belos, os mais doces e mais bem-educados (Nem vou me adentrar no ponto de que as vezes são esses os que mais escrevem palavras duras e desilusões em tintas negras, que jamais serão apagadas). Temos de aceitar que até mesmo Deus permitiu a existência do Diabo. Que sem qualquer conceito de ruim, jamais poderíamos ter algo bom.

E também, que a nossa humanidade nos impede de estarmos sempre satisfeitos.

A insatisfação é a angústia do século, justo porque a perfeição é vendida ao dar luzes ao estilo esbanjador daqueles que se intitulam ídolos e sombras a realidade que não brilha em glitter colorido num comercial de TV.

Qualquer família que não pode estrelar comercial de margarina não é família que se preze. Qualquer homem que não é o Rodrigo Hilbert é um monstro troglodita que só vê o próprio umbigo (ou um pouco mais em baixo). E ainda assim, “o Rodrigo Hilbert não faz mais que a sua obrigação”.

Viver a modernidade é medir o outro no seu próprio copo.

E ainda assim, espernear e gritar quando lhe medirem no copo alheio.

Emprestar canetas as mãos erradas tem consequências desastrosas.

Sujeitar-se ao outro pode ser o pior dos erros.

A habilidade de administrar esse risco parece ter se perdido por entre as sabedorias ancestrais em algum lugar, talvez no oriente, e a nós meros mortais restou apenas debater-se nas amarras da imperfeição.

As borboletas que se debatem podem causar um furacão.

Os não bem selecionados coautores podem estragar o andamento da história, podem fazer-se as borboletas do nosso furacão pessoal, somando com aqueles coautores que são compulsórios e sob os quais jamais teríamos qualquer poder.

E ainda sobre os compulsórios é sempre bom exercitar a reflexão de que talvez sejamos também obrigações e pedras para eles. Nada justifica que nos inflijam a dor, mas a compreensão nos ajuda a sarar a ferida aberta, a suturar e perdoar.

Mas se já somos submetidos aos desejos do tempo, do universo e do capricho das sociedades que se fizeram antes de nós, por que razão havemos de submetermos nossa história à aqueles podemos afastar e que dela fazem pouca questão, aqueles que não entenderiam o nosso texto nem se o dividíssemos em tópicos didaticamente distribuídos em ordem cronológica?

Se podem os filósofos negarem alguns leitores, não posso eu negar também coautores que não acrescentariam mais do que arcos desnecessários e dolorosos em minha história?

A analogia do livro é velha, mas sempre útil.

Podemos sempre virar a página.

Colocar os pingos nos is.

Escrever novos capítulos.

E presentear nosso manuscrito apenas para aqueles que merecem ler.

Julianna Azevedo
Enviado por Julianna Azevedo em 12/09/2017
Reeditado em 20/09/2017
Código do texto: T6112380
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