O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 9º EPISÓDIO



Insone o coronel Certório revirava na cama. A noite parecia-lhe interminável, uma angustia pesada como o chumbo comprimia seu peito. Seu raciocínio oscilando idêntica a uma miragem com o sol a pino na solidão de um deserto, obstruindo a coordenação de seu raciocínio. Tomado pelo ódio, ele tentava organizar suas idéias, para arquitetar seu plano de vingança, contra a bela jovem Dusanjo, que ele atribuía como bruxa. Mas as senas que vinham a sua mente se misturavam na tela da sua imaginação o impedindo e desequilibrando sua memória
. Ao mesmo tempo em que ele visualizava a bela jovem entrando no circo montando o boi pretête, surguia a imagem do toureiro Cencem quase nu saindo da arena desolada vestido apenas com sua ceroula samba canção cor de terra. Ora ele via seus três capangas rolando amarrados à beira da estrada à margem do rio, ora via o toureiro Tira teima caído aos seus pés, com a platéia aplaudindo e denegrindo sua imagem com piadas de mau gosto. Mas em todo aquele filme indesejado, o maior tormento era os aplausos idolatrando a jovem Dusanjo, quando ela toda graciosa atravessou a praça no meio da multidão montando o boi pretête, dócil como se fosse um cordeirinho, domado por ela. Esses ficaram impregnados nos seus miolos, repetitivamente como ecos na melancolia de uma mata virgem. Se sentindo ultrajado em seu poder perante a sociedade, onde ele sempre ditou as ordens. Estava à beira da loucura com aquele episódio impertinente indo e vindo em sua memória, como maré na praia em noite de lua cheia.
-- Eu... O coronel Certorio afrontado por uma mulher?—Pirralha! Bruxa maldita!
Mais de uma semana havia se passado e nada de melhoras, o tormento que alimentava seu ódio aumentava cada vez mais. Até que ele decidiu voltar à cidade, ter um dedo de prosa com o alferes e saber como estava tudo por lá.
-- Olha coronel melhor mesmo é Voismicê deixar essa pendência na mão do tempo, só ele poderá por um fim na ilusão que aquele episódio causou na população. Aqui não se fala noutra coisa, senão nos atributos mágicos da filha do coronel Tiburcio.
-- Mais voismicê cumo juiz dessa cidade tem qui calar a boca dessa gente, proibir todo mundo de acriditá naquela bruxa. Aqui quem manda e dão as ordes a vida toda foi à familia vilela, nois manda e o povo tem de obedecê é a lei. E voismicê alferes e juiz, tem obrigação de fazê cumpri!
-Olha coronel tome tento, pois as coisas estão mudando, melhor é voismicê ta preparado, qui daqui a pouco os Montinegro tão mandando no pedaço, e tem mais, tem umas corujas na espreita, tão de olho no vosso fio, tão as bocas sujas, dizendo que ele ta de cabeça virada lá pras bandas da fazenda Bocaina, caído de amor pela guria Dusanjo!
--Isso nunca! Nem dispois do meu cadáver interrado, num vai acuntecê ieu sô capais de rebentá o chão da minha sipurtura e isguelá ele, má caquela bruxa mardita ele num casa é nunca! Má vamo mudá o rumo dessa prosa, ieu vim a cá pra prusiá cus toureiro, quero cocê me ajuda ino lá cumigo convencê eze de fazê um sirviço pra mim.
--Que tipo de serviço é coronel?
-- Ieu quero qui me traga as duas cabeças, da bruxa fia do Tiburcio e daquele boi mardito! E ieu pago um preço queze nunca mais pricisa de trabaiá pode inté larga mão desse circo qui rende quais nada.
--Olha coronel melhor esquecer essa sua sede de vingança, voismicê pode se dá mal, depois do que assistimos naquele espetáculo com aquela guria dando um show, sei não coronel, o tiro pode sair pela culatra e ela ser a vencedora como já aconteceu, mas voismicê manda ieu obedeço. Aqui quem manda é o coronel, vamos até lá
Chegando à praça o circo estava sendo desmontado Cencem não queria correr o risco de dar um novo espetáculo e afundar em ruína. Melhor seria buscar outra cidade, antes que o gordo saldo que o espetáculo do boi pretête lhe rendeu, evaporasse.
--Bão dia Cencem
--Bão dia Coroné--, bão dia sinhô alferes qui bão vento os trais?
-- O coronel está preocupado com seu empregado Tira teima e veio ver se tão precisando de ajuda!
-- É verdade coroné dispois do acunticido num isperava essa atitude do sinhô, é primeira veiz na vida qui um coronè a dispois de amiaçá ieu de morte vem mim istendê a mão, tira tema já quase bão, ta cuas costelas amarradas, mais o pió já passô ta inté ajudano no dismonte do circo!
--Intão ta bão mió assim, má ieu vim aqui Cencem fazê ua proposta pra voismicêis dois, é coisa facim, facim, e voismicêis nuca. mais pricisa trabaiá cum circo nem cotas coisa tumém não!
-- É memo-, coroné já isciuitô falá qui santo quando vir muita ismola fica discunfiado e negoço bão num vem na porta! Ma vamo lá diz qui coronè ta quereno in troca de tanta bondade?
-- Barba Ruiva ta borrano de medo ricusô cumprir a orde de dar fim na fia do coroné Tiburcio, diz sê mió ieu mandá ele imbora, qui num bota lá mais o pé, má ele arrumô um matador de aluguel pra fazê o sirviço qui deve tavino pur ai, gurica memo ta chegano, e cumo voismiceis é toreiro e cunhece os dois mardito ieu vim propô, pá voismiceis ajudá no sirviço!
-- Qui sirviço coroné o sinhô arrudiô, prusiô, prusiô num diz coisa cum coisa afinar o qui coronè ta quereno in troca dessa vantage qui oferece pra nois?
-- A cabeça da mardita fia do coronel Tiburcio e do boi pretête pra ieu ri e cuspi na cara deze, dispois ispetá in duas istacas na intrada da cidade!
Pá tudo mundo sabê quem é o coronel Certorio!
--Coroné larga mão disso, a população da cidade ta toda contra voismicê, isso vai piorá inda mais, ta todo mundo hipnotizado cua beleza da fia do ome voismicê pode arruiná mais ainda, sua vida coroné!
Óia é pegá oh largá, num qué num atrapáia, conceio se prestasse era vindido numa era dado de graça não!
-Óia coroné intonse voismicê ta imaginano qui ieu vô cuspi no prato cagente cumeu, a moça me sarvou da morte, num fosse ela, ieu tava dibaxo de sete parmo de terra nessasora. Voismicê num deu um passo pra ajudá, num fosse vosso fio tira tema tava morto tumém, fais o siguinte vai caçá a rudia adonde voismicê quebrô seu pote, e dexa nois cuida da vida que nois leva. Vai cuida da vossa!
Durante todo o período em que eles conversavam o macaquinho do Cencem amarrado pela cintura numa estaca nas proximidades, batia uma taquara nas rosetas das esporas do coronel fazendo-as girar, ele o empurrava com o bico da bota, mas o bichinho dava meia volta, repetia o mesmo ritual. De saco cheio o homem tava pra explodir, frustrado em seu objetivo deu seu ultimato;
-- Voismicê é muito atrivido ta quereno morrê-, seu torêro de merda disaparece daqui cuesse seu macaco nojento, vô te dá treis dias, pra sumi quessa sua carniça de circo qui num vale é nada. Venho aqui no fim da semana, ieu nun quero nem rastro seu pur aqui, sinão leva chumbo.






 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 21/08/2017
Reeditado em 21/08/2017
Código do texto: T6090370
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