MAIS QUE IRMÃS

O céu estava límpido, quase não se avistava nuvens, ouvia- se o cantar dos pássaros, mas lá de dentro podia-se ouvir um choro de bebê que acabara de nascer.

Aziza muito serelepe foi logo perguntando para Mãe Preta o que estava acontecendo lá dentro do casarão.

Mãe Preta olhou gentilmente para a menina e respondeu:

-É o nascimento da sinhazinha, nasceu bem, choro forte, que os "Orixás" a protejam.

A menina dos olhos de jabuticaba falou apressadamente:

-Queria ir lá dentro ver ela.

Nesse momento Mãe Preta franziu a testa e falou um tanto séria.

-"Dexa de bobage minina, escravo num se mistura".

Mãe Preta era o seu nome, mulher forte, agarrou Aziza nos braços desde bebê, como sua protetora a ensinou várias coisas, como fazer o "efó", o "quibebe", o "abará" etc...

A mãe de Aziza morrera no parto, história triste, chegou na fazenda, foi violentada pelo Senhor do Engenho, Bonifácio, logo "embuchou", pobre moça, morreu nova. Por isso Mãe Preta jurou no leito de morte cuidar da menina. Ela era parteira, chorou amargamente a morte da mulher que chamava de filha, pegou um "molambo" envolveu a bebê e pronunciou em alta voz:

-Você vai se chamar Aziza que quer dizer preciosa, pois você é minha preciosa.

E desde então a menina crescia com os ouvidos atentos nos ensinamentos de Mãe Preta.

Na fazenda Sr.Bonifácio rangia pelos cantos, afinal nasceu mulher e não homem, queria mesmo era um sucessor, pensava ele.

No quarto podia-se avistar um anjo mais doce, seu nome era Berenice.

Lá fora uns olhinhos de jabuticaba, olhava numa fresta da janela o chorinho do bebê, queria pegar ela no colo, desejava Aziza. Logo aconteceu o que ela mais almejava, cuidar de Berenice.

Guilhermina esposa de Bonifácio olhou para Aziza torcendo o nariz e disse:

-Escravinha nova, será que dá conta?

A cozinheira da casa Mãe Preta falou com orgulho:

-Olha sinha, Aziza sabe fazer de um tudo, ela da conta e mais.

Com um olhar meio desconfiado a Sinhâ ordenou:

Então traga-a.

Quando Aziza pisou dentro da casa, não acreditou, nunca havia posto os pés lá, não conseguiu erguer a cabeça, mas quando avistou a criança, de súbito, fixou os olhos nela como se já a conhecesse, o bebê sorriu.

Tempo se passou e as duas foram crescendo, Aziza se tornou "mucama" de Berenice.

-Aziza te gosto muito.

Expressou Berenice sorrindo e completou:

-Você tem uma cor bonita, porque os seus são tão maltratados?

-Sei não sinhazinha, Mãe Preta conta que "nóis num era daqui", vimos forçados, e muitos até morreram.

Berenice arregalou os olhos, depois fez um "cafuné" em Aziza e lhe fez outra pergunta:

-E seus pais?

-Sei não, Mãe Preta conta que eles morreram tentando fugir.

Nesse momento Berenice olha no fundo dos olhos de Aziza e lhe indaga:

-E você quer fugir daqui?

Com olhos sorridentes a menina responde:

-Eu não sinhazinha, porque tenho vosmecê.

Um dia Berenice na sua ingenuidade falou para a cozinheira.

-Mãe Preta quero que Aziza seja minha irmã.

A escrava arregalou os olhos e disse.

-Ha sinhazinha num fale besteira dessa, seu pai pode ouvir e te castigar.

-Mas porque? Só por causa da cor? Isso não significa nada para mim.

O tempo passou como um relógio apressado, logo podia- se avistar duas moças lindas, que mantiam segredos de amores e alegrias.

Sr. Bonifácio andava muito irritado, seus escravos estavam morrendo, alguns fugirão, precisava de mais escravos, a fazenda não pode parar, matutava ele.

Mãe Preta ouviu o Senhor do Engenho dando ordens ao feitor para que ele levasse Aziza, Bonifácio estava vendendo-a em troca de outros escravos.

A cozinheira com muita coragem atirou-se nos pés do Sr. Bonifácio com os olhos no chão suplicando-o para que ao invés da menina vendesse ela.

Na mesma hora a ira do Sr. Bonifácio voltou-se contra Mã Preta que dando-lhe bofetões no rosto disse-a:

-Que audácia escrava velha, que já não serve para mais nada. Como ousa se dirrigir a mim implorando isso?

A senhora tomada de toda sua coragem e força balbuciou em meio a lágrimas:

-Ela é sua filha, o Senhor sabe disso.

Bonifácio ordenou que o feitor a chicoteasse e a prendesse na senzala.

Aziza percebendo toda a situação correu para dar o último adeus a Berenice:

- Sinhazinha te levo comigo no coração.

A menina da pele branca e dos olhos azuis não entendeu porque Aziza chorava tanto e lhe interrogou:

-O que está falando?

Aziza transtornada respondeu:

-Seu pai me vendeu, estou indo embora.

-Escrava vamos, o feitor te espera.

Berenice num salto agarrou nos ombros de seu pai com a intenção de agredi-lo e gritando:

-Meu pai como pôde?

Sr. Bonifácio por sua vez a empurrou esbravejando:

-Cale a boca e vá para seu quarto.

No canto dos olhos de Aziza uma lágrima cinza, o corpo inteiro em dor, porém não expressou nenhuma reação.

Foi quando desceu as escadas e algo inesperado aconteceu. Ela correu como um cavalo desvairado, que só retrocedeu depois de um barulho ensurdecedor, o som de um tiro que foi lançado contra ela então se espatifou no chão como um animal machucado.

Lá de dentro ouvira-se gritos e lamentações.

Berenice passou a não comer, não saia do quarto e assim foi se definhando até não acordar mais, em um dia de céu límpido que quase não se avistava nuvens.

Sentiu uma mão em sua mão a chamando, era Aziza, com um sorriso resplandecente disse a ela.

-Nós somos irmãs.

Patrícia Onofre

Patrícia Onofre
Enviado por Patrícia Onofre em 01/08/2017
Reeditado em 26/10/2019
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