MONÓLOGO DE UMA ESTÁTUA

Eu sou uma estatua de bronze, uma vida mineral, emblemática, erguida na principal avenida da minha província. É nisso que dá tornar-se célebre. Aliás, não sou completa-mente uma estátua. Sou apenas um busto, mal feito. Pois não existem mais escultores como antigamente. Aleijadinhos. Não aguento mais essa farsa que fizeram comigo. Um simulacro. Há muitos anos que meus ossos se dissolveram na poeira do tempo. Eu deveria estar bem enterrado e esquecido.

Mas essa província onde eu nasci teima em me imortalizar. Mesmo não cuidando do asseio necessário do meu busto, que está fedendo. Pois o mesmo não passa de uma ruína, cheio de musgo, lodo, merda de passarinho, excremento de pombo, mijo de bêbado e de cachorro.

Pelos invernos e verões que estou aqui, em cima te pedestal, já vi muitas gerações passarem. Muitas tropas militares desfilarem pela avenida, retornando de suas conquistas. Já presenciei muitas intrigas políticas tramadas pelo clã da qual eu fazia parte. Até hoje, eles continuam luta pelo Poder

Quando os notáveis da província me inauguraram com fanfarras e discursos, disseram que eu era um herói. Colocaram-me nas páginas dos livros didáticos do colégio e deram-me uma barba encrespada para servir de exemplo aos colegiais imberbes. E inventaram para mim uma história cheia de bravura e façanha inusitadas. Tudo mentira. Pantomima. Nunca fui herói de porra nenhuma. Não passo de um monte de barro, saído das mãos de um escultor medíocre, palaciano, que queria tão somente agradar aos poderosos do meu tempo e angariar nome, renome, conseguiu. O que eu desejo mesmo é que um raio parta o trem desse busto, do meu busto, e que me livre dessa vergonha, desse suplicio de continuar representando para a posteridade.

Mas, pensando bem... Se ao menos eles me reciclassem e me restaurassem e me transformassem em um pôster luminoso, bem leve, sem este peso, onde apenas as maripossas chegassem perto, onde eu estivesse livre das merdas de pombo e de outros inconvenientes, até que eu não me importaria de continuar empunhando todo mundo. Pois o papel de uma estátua é enganar os seus adoradores.

*Geraldo Almeida Borges

samuel filho
Enviado por samuel filho em 05/07/2017
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