Cartas

CAPÍTULO 1

Quando pedi demissão da R&B Editora por não suportar mais os constantes assédios de Daniel Brassmount que acredita que todas as mulheres do mundo estão “caidinhas” por ele – quanta prepotência daquele “almofadinha” que brinca de CEO - pensei que estava perdida por não ter nem ideia de como encontrar um novo emprego. Os tempos estavam difíceis.

Alguns dias se passaram e entrei em desespero. A geladeira quase vazia e o aluguel do apartamento estava vencido. Felizmente a eletricidade e a água não tinham sido cortadas, mas era uma questão de tempo. Sentei no sofá e pensei que havia cometido a maior estupidez em pedir demissão do meu emprego anterior, devia ter esperado a confirmação da Espectro Records Editora a respeito do meu pedido de admissão ao quadro de funcionários.

Foi um erro. E agora?

Minha cabeça doía só de pensar no meu fracasso. Queria sumir. Foi quando meu celular tocou. Era Lyanna. Atendi.

“Oi Lynn”.

“Você sumiu Liv, está tudo bem?”

“Cl..claro” - engasguei um pouco.

“Não minta para mim, conheço você o suficiente para saber que não está bem”.

Fiquei com um nó na garganta, não queria preocupar minha amiga com meus problemas.

“Não precisa se preocupar Lynn, estou bem. Desculpe por não ter entrado em contato com você esses dias, é que o trabalho está ocupando todo meu tempo.

“Liv, sei que está mentindo. Sou sua amiga e pode me contar o que está havendo, talvez eu possa te ajudar”.

“Não é verdade...eu só...” – comecei a ponderar as palavras quando Lynn suspirou pesadamente do outro lado da linha.

“Já sei de tudo Liv, pensei que confiasse em mim”.

Já sabia?

Se ela já sabia de tudo não precisava ficar com esse joguinho. Não preciso de ninguém me fazendo de idiota. Quis protestar, quando ela começou novamente.

“Pensei em te convidar para almoçar, passamos tanto tempo sem nos falar e queria saber como estava. Quando perguntei na recepção Inna disse que você havia pedido demissão, fiquei preocupada e resolvi ligar”.

“Não queria preocupar você”.

“Sei que não, mas somos amigas, é natural que eu queira te ajudar”.

“Obrigada e Desculpe”.

“Não precisa se desculpar Liv. Já conseguiu alguma coisa?”

“Nada ainda, nem mesmo da Espectro Records Editora. Estou aflita Lynn, não sei o que fazer”.

“Espectro Records Editora?”

“Sim, porquê?”

“Nada importante. Está com sorte Liv”.

“Sério? O que quer dizer?”

“Quando soube sobre você voltei ao escritório para despachar uma papelada de um caso em que estou trabalhando e depois ir te visitar, então vi Elisabeth conversando com uma mulher que não reconheci imediatamente. Esperei a mulher ir embora, fui até a sala da minha chefe e discretamente sondei sobre a visitante e o motivo da visita e adivinha só o que descobri...”

“O que você descobriu detetive?” – Ri baixinho.

“A mulher é Janine Bennkovsk e está procurando uma secretária particular”.

“Janine Bennkovsk autora dos best-sellers mais vendidos nos últimos meses? Não acredito”.

“É melhor acreditar, até indiquei você para a entrevista”.

“O quê? Como? Quando é a entrevista?” - Mal podia acreditar nos meus ouvidos.

“Amanhã, às 09:00hs em ponto. Não se atrase. Enviei o endereço e as demais informações para o seu e-mail”.

“Amanhã às 09:00hs? Não sei se consigo, é pouco tempo para me preparar Lynn”.

“Sei que consegue Liv, você é inteligente e precisa não é mesmo?”

“Está certo. Amanhã então”.

“Até mais Liv”.

“Até mais Lynn”.

*************

Entrevista de emprego é sempre um desafio. Aparência, postura, comunicação, repito mentalmente enquanto termino de me arrumar. Uma rápida avaliação em frente ao espelho. Roupas, ok. Maquiagem, ok. Cabelos, ok.

Vamos lá. Você já fez isso antes, disse a mim mesma tentando manter a calma.

A caminho da garagem, pensei em tudo que passei nos últimos dias desde que pedi demissão e não podia perder a oportunidade de trabalhar para Janine. Afinal, precisava pagar as contas.

Dei partida no carro. Segui para o endereço que Lyanna me enviou por e-mail. Ao chegar avistei uma casa linda e um jardim maravilhoso, sem falar na piscina que estava convidativa.

Em nosso primeiro contato Janine demonstrou simpatia e algo nela me transmitia tranquilidade, o que me deixou confortável para prosseguir com a entrevista que poderia resultar na solução que pagaria minhas dívidas. No dia seguinte recebi um telefonema de uma mulher chamada Elisabeth Monteiro – a advogada de Janine - confirmando que o cargo de secretária era meu e deveria comparecer em seu escritório para analisar os detalhes do contrato, depois que desligamos dirigi-me ao banheiro e após alguns minutos estava pronta para tratar de negócios.

Achei estranho minha contratação “relâmpago”, pensei que haveria muitas opções além de mim e que eu não seria chamada. Parece que dei sorte mesmo.

Assim que cheguei ao escritório fui recebida por uma moça loura com cabelos devidamente alinhados na altura dos ombros e com grandes olhos verdes que me conduziu até a sala de Elisabeth para a assinatura do contrato. Concordei com todos os termos e na semana seguinte o trabalho começaria.

*********

Era uma manhã ensolarada de segunda-feira. Nunca gostei de acordar cedo e isso sempre me deixava desconfortável. Encarei meu café da manhã com desgosto, embora assim como eu meu estomago não seguisse um ritmo matutino - era um “mal” necessário. Lembrando que minha nova chefe não era tão exigente com a aparência - exceto para alguns eventos que não esperavam menos do que uma figura impecável - voltei-me para minhas opções sobre a cama e decidi por um jeans escuro e uma camisa branca, terminei a maquiagem, prendi os cabelos em um rabo de cavalo elegante, calcei minhas sapatilhas, peguei a bolsa e corri.

Pontualidade. Discrição. etc...etc..., o mesmo mantra de sempre.

Correndo pelo saguão do estacionamento do meu prédio só consegui pensar em chegar no horário marcado. Não estava atrasada, apenas ansiosa. Uma onda de arrepios percorreu meu corpo.

Trabalho novo. Nervosismo de sempre, sorri incrédula.

Inspirei todo ar que pude conter em meus pulmões e soltei lentamente para acalmar os nervos. Enfim, está na hora.

CAPÍTULO 2

Depois de encarar o trânsito desgastante de São Paulo, consegui chegar à tempo no meu novo trabalho. Toquei a campainha e uma mulher alta, morena e bastante simpática surgiu à porta para me receber.

“Bom dia senhorita Miller” – ela disse.

“Bom dia...como você...” Ela me conhece? Pensei.

“A senhora Bennkovsk avisou de sua chegada. Me chamo Silvana” – disse de maneira formal.

“Ah, é claro. Muito prazer Silvana e pode me chamar de Lívia”.

Depois das apresentações Silvana conduziu-me até o escritório de Janine no andar superior. Algumas batidas na porta e pude ouvir a voz de Janine, uma voz doce e gentil, porém forte.

“Pode entrar”.

Quando entrei, notei que havia mais alguém no escritório. Um homem alto, moreno, de 35 anos aparentemente e bem vestido.

“Bom dia senhora Bennkovsk”

“Bom dia Lívia, não precisa de formalidades, apenas Janine, tudo bem?” disse com um sorriso.

“Claro” devolvi o sorriso.

O homem permanecia sentado ao lado de Janine foleando alguns papéis e me observando. Janine fez sinal para que me aproximasse. Me aproximei.

“Lívia, este é Alberto, meu editor e amigo”.

Nós nos cumprimentamos.

“Olá Lívia”.

“Olá Alberto”.

Tirando seus olhos de mim, Alberto virou para Janine e para mim novamente e despediu-se.

“Bom, preciso ir Janine. Qualquer mudança no projeto avise-me. Prazer em conhecê-la Lívia”.

“Igualmente”. Respondi.

O escritório de Janine não é tão grande quanto pensei. Dispõe de uma moderna escrivaninha de madeira com detalhes em metal, três poltronas e um sofá bem confortável por sinal.

Depois de verificar alguma coisa em seu computador Janine fitou-me por alguns minutos e notei uma pergunta formar em seus lábios, mas ela desistiu de fazê-la. Voltou-se para algumas pastas e me entregou a terceira de uma das pilhas sobre a escrivaninha.

“Aqui Lívia, dê uma olhada nisto e amanhã quero sua opinião. Ok?” disse com um sorriso brincalhão no rosto.

“Sim, pode deixar”.

“Agora venha comigo”.

Saímos do escritório e percorremos todo o andar de cima. Contei três quartos de hóspedes mais o de Janine. Descemos e ela me apresentou o restante da casa. Voltamos à cozinha e Silvana havia preparado o café da manhã para nós. Sentamos de frente uma para a outra e começamos a nos servir. Já tinha tomado café, mas tudo estava tão delicioso que não resisti.

“Bom Lívia, o que achou da minha humilde residência?”.

“É realmente linda sua ‘humilde residência’”. Sorri.

“Que bom que gostou. Pode escolher um quarto, você virá morar aqui comigo”.

O quê? Engasguei com o suco de laranja. Morar com ela? Só pode ser brincadeira, deve ser algum teste ou sei lá o quê.

“Você está bem?” disse com um olhar gentil e preocupado.

Tossi um pouco e respirei fundo para me livrar do mal estar.

“Estou bem, não se preocupe. É que você me pegou de surpresa”. Eu a encarei buscando respostas.

Ela suspirou e sorriu.

“Acalme-se. Para realizar meu trabalho preciso que você cumpra com o seu, por isso preciso de você aqui 24 horas. Sei que não consta no contrato, mas podemos revê-lo e acordar um adicional. O que acha?”

Pensei um pouco em sua proposta.

“Lívia, não gosto de perder tempo” ela interrompeu meus pensamentos. “Minha auxiliar antes de você também morou aqui”. Seu tom de voz era calmo.

“Desculpe, é que não esperava por isso e também tenho algumas coisas para pôr em ordem. Pode demorar um pouco”.

Ela meneou a cabeça concordando.

“Não quero ser indiscreta, mas são assuntos relacionados à família?” Seu olhar era vago e distante.

Pensei no que a deixava tão distante. Pelo que soube, Janine nunca tivera filhos. Seu último casamento não durou mais que dois anos. Talvez esteja se sentindo muito solitária ultimamente.

“Não”. Dei um sorriso débil. “Sou minha própria família”.

Ergueu uma sobrancelha. “O que quer dizer?”

A única pessoa com quem falo sobre minha família é Lyanna, mas quando olho para Janine sinto como se a conhecesse a muito mais tempo.

“Meus pais já faleceram. Eram minha única família. Meu pai morreu quando eu tinha 6 anos e minha mãe se foi recentemente, há uns três anos”.

“Sinto muito”

“Tudo bem”

“Então suponho que sejam problemas financeiros. É isso?” arqueou a sobrancelha mais uma vez.

O que ela pretende com isso? É evidente que é mais uma do clube dos ‘TUDO TEM QUE SER DO MEU JEITO’. além do mais, falar dos meus problemas é definitivamente desconcertante para não classificar como coisa pior. Mesmo detestando esse assunto, admito estar passando por dificuldades financeiras, é humilhante.

“Está bem, você venceu. É isso mesmo” disse, com um esboço de um sorriso.

“Desculpe o interrogatório querida, mas não pense nisso como algo ruim. Acredite que tudo ficará bem”. Seus olhos brilhavam de empolgação.

“Certo, então o que devo fazer agora?”

“Não se preocupe, seu quarto já está pronto. Você pode reorganizá-lo como quiser, mas precisa estar aqui até o fim da semana. Estou finalizando um de meus projetos, mas ainda tenho alguns dias para isso. O que nos dá tempo para entrarmos em sincronia. Consegue fazer isso”?

“Sim, estarei aqui”.

“Muito bem. E não esqueça que quero sua opinião amanhã sobre a pasta que lhe entreguei, pode enviar para meu e-mail se preferir”.

“Claro. O farei assim que ler o conteúdo. Obrigada pela oportunidade de trabalhar com você Janine” – É verdade, sinto que trabalhar com ela será maravilhoso, apesar das condições impostas.

“De nada minha querida. Aposto que trabalhar com você também será ótimo”. Tocou-me no ombro com uma leveza que jurava não existir.

Nos despedimos e Silvana me acompanhou até a porta.

“Até mais Silvana, nos veremos em breve”.

“Até, senhorita Lívia. Dirija com cuidado”.

“Pode deixar”.

A casa de Janine é linda, mas o fato de sempre prezar minha liberdade – barra – independência, levou-me a buscar novos horizontes e andar de cabeça erguida como uma mulher adulta sem as amarras de uma sociedade machista e agora sinto tudo isso indo por água abaixo. Talvez seja apenas drama de minha parte, mas não há lugar melhor que o nosso lar.

De volta ao trânsito caótico de São Paulo que mais parece um formigueiro de carros, fiquei pensando em como minha vida seguiu seu curso até aqui e o que mais está por vir. De repente lembro-me que ainda não contei a Lynn que consegui o trabalho, mas farei isso assim que chegar em casa.

Finalmente consigo me livrar do trânsito e chegar em casa. Estaciono o carro e pego o elevador. Chego ao meu apartamento e percebo que a correspondência chegou. Contas e mais contas. Pelo menos agora terei como pagá-las. Deixando as contas de lado, o que preciso é de um banho. Corro para o banheiro afim de que ao ligar o chuveiro todo o cansaço vá embora, mas para meu desgosto resolveram cortar a água justo hoje. Bufando de raiva volto ao quarto pensando em como tomar banho - poderia pedir ajuda a minha vizinha Sara, mas ela estava viajando e não tinha intimidade com nenhum dos meus outros vizinhos que parecem ter tido a mesma ideia. Praguejei por estar naquela situação e fiz uma nota mental para ser menos introvertida, não doeria nada conversar com outros seres humanos além de Lyanna.

Sem nenhuma opção que não fosse passar vergonha, resolvi engolir o orgulho e segui para um dos apartamentos recém alugados no fim do corredor rezando para que tivesse alguém em casa. Toquei a campainha três vezes e nada - quis desistir - quando na quarta tentativa a porta se abriu e uma senhora usando avental apareceu diante de mim.

“Olá, em que posso ajuda-la minha jovem”?

“Olá, desculpe o incomodo. É que acabei de chegar em casa e pensava em preparar um chá – menti - aí notei que não havia água na torneira, então quis saber se o problema é neste andar ou só no meu apartamento – menti mais um pouco. É claro que não é problema com encanamento nenhum e, sim minha falta de “recursos financeiros”.

Poderia ter ligado para a portaria, mas torcia para que aquela mulher não percebesse isso.

“Ah, minha querida, aqui está tudo bem. Talvez o encanamento do seu apartamento é que esteja com problema”.

Sua resposta minou minhas esperanças de atingir meu objetivo.

“Ah, então deve ser isso. Bem, mais uma vez desculpe pelo incomodo”. Comecei a me retirar, mas ela pediu que eu esperasse.

“Espere querida, você deve estar cansada para resolver esse problema não é mesmo”? Se quiser, posso preparar um chá para nós duas enquanto conversamos. Está tão quente hoje, mas um chá sempre ajuda a relaxar. O que acha? Seu sorriso foi contagiante e a proposta me fez acreditar que o próximo passo seria menos constrangedor.

“Isso é verdade. Não tenho forças para isso. Até o encanador concertar, vou ter muita dor de cabeça – concordei entre risos, sabendo que meu subconsciente me acusava por mentir daquela maneira tão descarada – entretanto, não quero dar tanto trabalho senhora...”

“Amália. E, não se preocupe com isso. Entre, vamos papear um pouco minha querida...”

“Lívia. Sorri – sendo assim, eu aceito senhora Amália”.

O apartamento não é tão grande, porém seu interior é aconchegante. As cortinas cor de pêssego combinando com os móveis com detalhes em madeira, a estante em um canto da sala parece ser de mogno, mas o que realmente chama minha atenção são algumas fotos e paro para observá-las enquanto dona Amália foi buscar nosso chá. A primeira tem algumas crianças brincando na praia construindo um castelinho de areia e um deles está fazendo uma cara de ‘não vou perder meu tempo com isso’ – sorrio só de pensar na situação; a outra com o pôr do sol ao fundo mostra um grupo de pessoas, entre homens, mulheres e crianças de mãos dadas de costas para o fotografo; a terceira é de um bebê dormindo no colo de uma mulher que acredito ser dona Amália, talvez seja seu neto ou sobrinho ou .... - meus pensamentos são interrompidos quando ouço o anuncio de que o chá está pronto.

O aroma do chá é maravilhoso e o sabor faz carícias na minha boca e acho que vou levitar, quando dona Amália começa a gargalhar. Me dou conta de que provavelmente estou com cara de boba, não consigo resistir e juntas gargalhamos de mim. Ela toma um gole e faz a constatação mais óbvia.

“Lívia querida, pelo que vejo você gostou mesmo do chá”! Seus olhos brilham quando fala.

“Ah, sim. Está divino. Não posso mais viver sem isto. Preciso armazená-lo em algumas garrafas térmicas e também da receita”. Falo entre risos e suspiros, que me fazem engasgar com a bebida.

Achando graça, ela se inclina em minha direção e dá leves batidinhas no meu joelho e diz:

“Calma. Você está bem”?

“Sim, estou”. Consigo me recompor.

“Estou feliz que tenha gostado e não se preocupe, sempre que quiser posso prepara-lo para nós, mas a receita é segredo”. Seu tom de voz é conspirador e sei que está brincando comigo.

“Ok, Ok”. Faço beicinho com o comentário sobre a receita.

“O que mais gostaria de saber além da minha receita do chá”?

Obs.: O texto não está completo. Ainda está em desenvolvimento. ☺