A menina

A casa ficava num lugar que não era mais lugar. Não era mais lugar por que não havia mais gentes. Um lugar só é lugar quando há gentes. A Terra só passou a existir depois que Deus criou as gentes, antes das gentes nada existia.

A casa ficava num sopé num arremedo de planície. As cercas que a circundava havia apenas algumas teimosas. No entanto, se entrava fácil por toda propriedade. Havia um poço vazio com alguma água enferrujada em seu fundo. O mato estava alto e se aproximava da casa. A entrada era de terra batida com algumas pedras resistentes que impediam corajosamente o avanço do mato. As formigas disputavam espaço com os cupins e isso podia ser visto com facilidade pelas grandes cidades que eles construíam em volta da casa. A impressão que se tinha era a de um campo de batalha do microcosmo. Algumas flores do campo surgiam e se mantinham por alguns momentos como milagre. E esse milagre atraía algumas abelhas e borboletas.

Passando pela porta de entrada surgia uma sala que guardava alguns móveis. Algumas cortinas rasgadas tentavam conter o sol. As janelas não fechavam, mas eram trancadas por grandes teias de aranhas. Contraste bonito que fazia era o raio solar atravessando as teias. O chão da sala era de madeira e a poeira flutuando iluminada pelo sol dava um aspecto de dias felizes da infância. No meio da sala havia uma mesa de madeira com quatro cadeiras. Pareciam as únicas coisas intatas em toda a casa. Havia uma toalha de crochê e um jarro com uma flor colhida recentemente. Do meio da sala surgia um corredor que levava aos demais aposentos. Um banheiro a direita, depois dois quartos. A esquerda mais dois quartos com suítes. Havia uma porta que levava aos fundos do terreno. A parte dos fundos deixava a casa mais alta por causa do declive. Construíram um jardim de inverno ali. Ainda balançava uma antiga cadeira de balanço impulsionada pelo vento ou por algum espírito que não aceitava cumprir seu fim.

Deixando a casa para trás e descendo o pequeno sopé, a menina sentou-se num resto de árvore cortada. Pegou seu diário e rabiscou um desenho da casa. Olhava o diário e se virava para olhar para casa. Apagou várias vezes o desenho tentando se aproximar ao máximo da exatidão. Escreveu uma ou duas linhas sobre a casa. Levantou-se, deixou o diário na árvore cortada e subiu um pequeno monte onde dava para avistar um pequeno riacho. Lá em cima havia uma brisa gostosa que desprendia seus cabelos e os libertava no ar. O vestido colava ao corpo denunciando o começo da sensualidade. Depois de saciada, desceu o pequeno monte, pegou seu diário e voltou pela estrada para casa.

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 08/06/2017
Código do texto: T6021913
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