O Capacete.

Sete e vinte da manhã, aproximadamente. De longe avistamos uma pessoa caminhando em nossa direção. A estrada era longa e conhecida por alguns como a “Estrado do Tempo Perdido”.

Ao nos aproximarmos pudemos ver que se tratava de uma senhora andando no acostamento e vestindo um casaco branco de couro urso. Não me perguntem como soube se tratar de couro de urso. Não sou perito nessas coisas.

Apesar de ainda cedo, o sol de inverno estalava sobre nossas cabeças, o que causava estranheza aquela pobre senhora ainda trajando aquela vestimenta. Pensamos até se tratar de alguma desequilibrada escapada do Sanatório Ênio de Andrade, mas esse sanatório dista uns quarenta e cinco quilômetros de onde estávamos, e, com aquele sol e com a idade a qual supúnhamos ter a senhora, era quase impossível de que ela conseguiria caminhar tanto.

Em climas desérticos, como agora, onde o frio de cortar domina crepúsculo, noite e alvorecer, e o calor do dia esturrica escorpiões no deserto, aquela não era uma situação típica. Era sim até um tanto quanto surreal.

A sede secava a goela e nos mantinha silentes. Quanto menos saliva gastássemos, mais tempo de sobrevivência teríamos.

Quando nos aproximamos a ponto de poder olhar nos olhos e ouvir os sons uns dos outros, a senhora foi logo dizendo, apressada, quase eufórica e esbaforida, em alto e bom tom:

_ Esqueci o capacete e agora tenho que voltar rápido. Meu marido está lá me esperando! Estou até sentindo calor! Nossa, que calor!

E foi tirando o casaco branco de couro de urso. Por baixo vestia uma camisa vermelha de seda.

Sorrimos, acenamos ao mesmo tempo curiosos e boquiabertos, e continuamos nossa trajetória até o desemboque próximo à Avenida Yoshi Nãomeama, onde havia um porco gigante, que avançava sobre as pessoas e as comia vivas, e alguns carros velhos empilhados, que por vezes ou outras se movimentavam sozinhos, lentamente, como se se movendo em um sono profundo. Talvez o vento! Ou a sede!

Por curiosidade olhamos para trás, já que há pouco cruzamos com aquela senhora. Para nosso esbugalhar de olhos, ela não seguia mais a estrada. Não havia saída, muito menos via alternativa! Era o despenhadeiro! Simplesmente desaparecera!

Prosseguimos mesmo assim, sem parar para pensar. Esse era o lema.

Em dez metros avistamos uma pedra no meio do asfalto, bem na região do Lago das Bostas Flutuantes, uma pedra que na verdade não era pedra nem jabuti e nem cágado. Era um capacete vermelho.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 24/05/2017
Reeditado em 24/05/2017
Código do texto: T6007824
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