O PADRE E O POETA

Num evento cultural onde pessoas de várias camadas sociais estavam presentes, dois homens em particular chamavam a atenção de todos, não fossem as atividades profissionais que ambos exerciam. De um lado, um grande escritor renomado, intelectualíssimo, agnóstico, bem apessoado com poder de oratória de dar inveja a quem o escutasse e uma retórica impecável. Muito admirado e requisitado pelo sexo oposto, tornando sua agenda pessoal quase que impossível de administrá-la. De outro lado um respeitado padre muito conhecido na comunidade onde exercia seu sacerdócio com maestria e singularidade. Tinha um poder intelectual invejável por seus pares como também por algumas autoridades da cidade. Era um referencial para famílias, pois seus sermões, seus conselhos agregavam cada vez mais pessoas ao seu redor. Era comum jovens e senhorias recorrerem a ele confessando seus pecados após a missa dominical. Os dois promoviam um debate de alto nível o que acendeu a curiosidade dos presentes, afinal o que eles tanto debatiam, gesticulavam naquele lugar público no meio de tantas pessoas? Até que alguém resolve se aproximar para ouvir melhor a conversa.

Poeta: mas meu caro amigo eu sou um agnóstico não creio neste Deus o qual se badala em todas as religiões, sejam cristãs ou não. No entanto penso ser possível tal existência. Como pode um ser invisível aos nossos olhos ter tamanha força e influência sobre as pessoas a ponto destes doarem seus bens parciais ou mesmo integrais, em alguns casos de extrema radicalidade? Prefiro crer na minha capacidade de pensar e agir conforme minhas convicções. O que eu produzo é parte de mim. Coloco minha mente a funcionar, minha criatividade, meu tempo disponível para ler, refletir se traduzem em minhas obras. Isto é real, material, palpável, nisto eu creio. Veja caro amigo a evolução do homem e da ciência é uma coisa fenomenal. O homem chegou ao espaço, ao fundo do oceano, criou pontes, viadutos gigantescos, aproximou povos nunca dantes visto. As grandes revoluções trouxeram benesses a toda humanidade. A indústria farmacêutica e suas pesquisas como salvam vidas neste planeta. As informações hoje são instantâneas é só clicar num botão já sabemos o que está ocorrendo no mundo, claro que vemos e ouvimos coisas positivas como também lixos assimilados por uma boa parcela da humanidade. Isto me deixa triste, pois a meu ver falta senso crítico em algumas pessoas. Falta maior solidariedade como também a fraternidade está longe do ideal.

Padre: pois é caro amigo eu sendo um religioso, diga-se de passagem, por opção, pois poderia ter outra profissão que me desse o sustento material e intelectual a minha sobrevivência, afirmo ao amigo que creio nesse Deus que falaste. A bem da verdade esse Deus o qual creio e é a base da minha existência é muito maior, mais abrangente do que as religiões sem exceção apregoam. Realmente concordo contigo quando dizes que ele é um ser imaterial e para tal, crê-lo precisa-se de uma fé digna de seu merecimento. Ele é o criador de todo o universo, digamos o grande Arquiteto do Universo. Entre o céu e a terra existem mistérios que nossa mente sente-se incapaz de compreender, no entanto penso ser possível admitir e à medida que o homem vai crescendo e aprendendo os questionamentos tendem a desaparecer. A inteligência, capacidade de raciocínio, nos foi ofertados com o intuito de compreendermos e aceitarmos os desígnios de Deus, desta forma fazendo nossa parte e procurarmos crescer e multiplicar nosso conhecimento com o outro. Ele não deseja que guardemos este conhecimento para nós e sim que seja difundido, discutido, numa troca de experiências esplêndidas. As revoluções que muito bem dissestes é também obra divina, estava em seus planos permitir ao homem estas descobertas. A chegada do homem ao espaço, ao fundo dos oceanos, a evolução da medicina, tecnologias de ponta que a cada dia chegam a nossos lares, empresas, hospitais, enfim, o domínio do conhecimento está registrado em Gn 1. 28 - E Deus abençoou e disse: “Sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra [...]”. Como vês meu caro amigo, o que dissestes e afirmastes é o propósito de Deus para nós, como podes negar a sua existência?

Poeta: caro amigo, se lembrares de nossa conversa inicial, eu não nego sua existência, pelo contrário, creio na possibilidade de ser real este ser que tanto dizes, porém não creio nele. As religiões sempre colocaram este Deus, um ser inacessível, inatingível. Inclusive na idade média a igreja da qual fazes parte desenharam-no como um velho de barba branca sentado em seu trono rodeado de anjos e querubins. Do alto de seu pedestal administrava toda a humanidade com seus castigos infinitos. Uma hora era uma tempestade, outra uma praga arrasadora, outra era perseguir seus “filhos incautos” contaminados por “outras crenças”, tal qual o deus netuno dos romanos que carregava seu tridente para agitar os mares e oceanos como represálias a quem dele desobedecia. Atualmente se vê as igrejas comercializando este Deus na onda de quem der mais será agraciado com suas benesses. Quem oferecer maior dízimo terá suas posses “superfaturadas”. Como pode Ele ajudar mais quem oferece mais? Isto é mercantilização da fé. E o pobre coitado que nada tem a oferecer, não saciará de sua bondade? São estas atitudes vis que me tornam um ser cada vez mais agnóstico.

Padre: caro amigo, concordo em parte com teus argumentos e estas atitudes me deixam triste, para não dizer revoltado. Porém se olharmos ao redor vemos tantas pessoas fazendo o bem que fica impossível não acreditar em um Ser Supremo que nos confia à continuidade de sua criação. Devemos ter um entendimento maior a despeito deste Deus. Concordo que as igrejas não tem mostrado aos seus fiéis este Ser especial, que antes de estar nos altares suntuosos das igrejas como também nos templos mais modestos, ele deve habitar o nosso interior, o Eu divino, no templo sagrado do nosso lar. Depois deste alojamento é que podemos transferi-lo para os altares destes templos físicos e não o contrário como tem ocorrido ao longo dos tempos. Devemos estar em comunhão com Ele para nos tornarmos santos, sermos Dele um grande parceiro em nossa caminhada.

Poeta: estás quase me convencendo com tuas retóricas.

Padre: creia não é este meu intento te convencer ou mesmo te doutrinar. Sou uma pessoa de mente aberta disponível para um bom bate-papo, troca de experiências com vontade de crescer e contribuir para que outros cresçam, porém respeitando a individualidade de cada pessoa. A igreja me ensina e de mim espera que eu seja um bom pastor de minhas ovelhas, amar ao próximo, fazer o bem, ser responsável pela minha comunidade orientando-a a uma vida cristã verdadeira em comunhão com Cristo e com Deus, no entanto acima de tudo isto está a minha Fé. Sem fé não conseguimos dar continuidade a nossos propósitos, pois se não creio no que me propus a fazer, se não os faço com amor e humildade de nada vale minhas ações. Procuro seguir as orientações de Paulo a despeito da primeira carta escrita aos Coríntios, 1Cor 13. 1-13: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se eu não tenho o amor, sou como sino ruidoso ou como címbalo estridente. Ainda que eu tenha [...]”, este é o lema que escolhi para vivenciar meu sacerdócio e minha vida como cidadão do bem.

Poeta: teus princípios não diferem dos meus, apenas interpreto-os numa visão mais científica isento de qualquer misticismo, crenças e ritos, pois já dizia Sócrates: “A vida sem ciência é uma espécie de morte”. Tenho um grande apreço por tua pessoa, tuas atitudes e mesmo tuas crenças o qual para ti são importantes. É de suma importância esta conversa que até aqui levamos. Meus trabalhos tem a mesma importância que o sacerdócio representa para ti. Lamento que poucas pessoas conseguem absorver este entendimento e aprendizado. Mas tenho fé, opa já estou me “catequizando” involuntariamente, digo, eu acredito que num futuro próximo o homem em sua maioria vai absorver este entendimento aprendendo entre si, trocando experiências e construindo um mundo mais humano, justo e feliz. Nós precisamos de felicidade, que as pessoas riem, se desprendam de suas crenças, mudem seu comportamento, façam uma varredura nos seus PCs mentais e restaurem em seu interior o equilíbrio emocional que tanto necessitam. Se isto para ti significa falar de Deus, então sou um agnóstico teísta. Depois desta conversa gostosa que tivemos respeitando o ponto de vista de cada um, onde trocamos ideias, aprendemos e ensinamos um ao outro me sinto a vontade e na obrigação de te convidar para saborearmos um bom café na esquina da quinze. Rapaz é o melhor café da cidade.

Padre: com certeza aceito teu convite. Sinto-me feliz e realizado, pois este bate-papo agregou conhecimentos para ambos. É Deus agindo em nós. Então vamos ao café.

Valmir Vilmar de Sousa (Veve) 20/05/17

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 21/05/2017
Código do texto: T6004778
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