O valor de cada um

A agitação tomou conta da casa, nunca vi tanta gente reunida para um mesmo objetivo e com o tanto entusiasmo. E mamãe continuava ali, sentada na sua cadeira de balanço, parecendo que não ver tamanha bagunça, muito menos tamanho barulho. Não há nada e nem ninguém que a faça despertar de tanta concentração. Em que ela pensa? Eu não sei responder! O que ela pretende fazer? Impossível de saber.

A campainha não pára de tocar e as pessoas não param de chegar. Há enfeites por toda à parte da casa, há gente em cada centímetro e a velha senhora continua estática.

A vida passa ali na sua frente, convidando-a para uma bela dança, para simplesmente sorrir e bailar ao som do vento. E o tempo vai passando e ela não se dá conta de tudo que acontece em sua volta. A multidão aumenta! genros, netos, noras, filhos e filhas, amigos dos amigos, sogras, sogros e a gentalha ia “se achegando” e ocupando o pequeno espaço naquela casa velha e solitária.

Tudo parece longe demais, tudo parece irreal, ninguém entende ao certo tal paradeza da velha, até porque ela nem era tão velha assim. A verdade é que ninguém mostrava muito interesse em estar ali. Filhos, netos, sobrinhos, noras, genros, enfim, todos eles se pudessem estariam em outro lugar, mas a velha insistia nessa festa e ninguém teve coragem de não obedecer tal desejo.

O motivo da festa ainda é por todos desconhecido afinal, aquela senhora de olhar indiferente que tanto disse e insistiu para que todos estivessem ali, ficou o todo o tempo parada, sem falar, sem ao menos piscar, sem nenhuma ameaça de movimento. Cíntia, sua filha mais nova, vendo tudo preparado e vendo sua mãe imóvel, aproximou-se e em um gesto singelo acariciou sua pele tão branca e tão enrugada, segurou sua velha mão calejada e disse bem baixinho: "Vamos mamãe, estamos esperando a senhora."

Ainda assim não teve reação, nada aconteceu, estavam todos parados, sem saber o que fazer ou que falar, havia na expressão de cada convidado um ponto enorme de interrogação.

Uma criança que não me lembro de quem era filha interrompendo o silencio disse - a vovó está estranha! O que está acontecendo? Como que automático lançaram em sua boca uma bela empadinha de frango antes que dissesse mais alguma coisa, atrapalhando assim o pensamento dos adultos.

Resolveram então começar a liberar os salgados e bebidas, afinal aquilo era uma festa. Uma música foi ouvida bem no fundo, as crianças corriam alegres e confusas pelo corredor,

os adultos comiam e bebiam feito porcos famintos, não mais lembravam da senhora sentada na cadeira de balanço.

A noite foi passando e a velha seguia o movimento de cada um dentro da casa, com seu olhar mórbido e frio, seus lábios tentavam balbuciar algumas palavras, mas ninguém prestou atenção ou não quiseram dar atenção ao segundo de manifesto dela, afinal o papo estava bom e a comida melhor ainda.

Depois de horas, a velha senhora olhando fixamente para um ponto da casa, ponto este que foi cenário de vários acontecimentos, principalmente com seu falecido marido, levantou-se vagarosamente e como um milagre ou dádiva, deu alguns passos em direção a sua filha mais nova. Segurou-lhe a mão esquerda e em um gesto singelo e certeiro, acariciou sua mão lisa e branca, feito neve, colocando nela um pedaço de papel velho e amassado, caindo em seguida desfalecida.

A única que presenciou toda a cena foi Cíntia, a única que viu e ouviu. O papel continua velho e amassado. E seu conteúdo a única coisa que me recordo é que nele continha toda a explicação para aquele dia longo e confuso da morte de Dona Josefa.

Poliana Cristina
Enviado por Poliana Cristina em 11/05/2017
Código do texto: T5995904
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