A Macumbeira da Vila Tremembé.

Geralda, a macumbeira da Vila Tremembé, aquela cuja fama ultrapassa décadas e fronteiras de ofícios obscuros no crepúsculo e na calada da noite, aquela cujas galinhas piam de medo e que lança seu mal agouro pelos quatro cantos do vilarejo onde morava minha tia Zuleica, lançou uma cusparada na porta da mercearia do senhor Joca da Silveira. Dizem que o cuspe oxidou a porta de metal e deixou um furo com bordas negras, como se queimado por fogo de solda. Joca da Silveira, a princípio, achou que se tratava de um tiro de fuzil, até que o catador de latas Alberico disse que vira Geralda, a macumbeira, passar por ali minutos antes da meia noite e disferir sua cusparada ácida. Dizem os adeptos dessas teorias malévolas que uma cusparada de Geralda pode furar até um tanque de guerra e que a pessoa vitimada por tal evento infausto tem seus dias contados de acordo com o tamanho do buraco, o que deixou Joca da Silveira com os pêlos do couro arrepiados, já que os últimos que passaram por isso não resistiram e murcharam como alecrim no deserto de Mojave.

Não esperando para ver o resultado, Joca da Silveira fechou as portas de seus estabelecimento, colocou uma enorme placa de vende-se e partiu sem deixar rastro, ainda mais quando agosto, o mês da mortes, está para se aproximar.

No entanto, tendo em vista que esse acontecimento se dera na década de vinte do século passado, o fim de Geralda, a macumbeira, não fora lá como esperava e nem como cria que diziam seus gurus das trevas.

Numa tarde de julho, ao atravessar a velha ponte de metal que liga a Vila tremembé e o Centro Velho, uma pomba defecara em seu vestido de seda, manchando-a a ponto de não haver outra saída a não ser voltar para casa e trocar o vestido. Num ataque iracundo e violento, Geralda não pensou na consequencia e cuspiu para cima, no intento de capturar a pomba no ar e derretê-la de vez. A pomba, no entanto, mais ágil, escapou pelos ares mergulhando naquele céu azul, enquanto o cuspe mortal de Geralda retornou com uma lufada de vento, e com o sol ofuscando sua vista, recebeu de volta a cusparada bem na testa, momento em que derreteu ali mesmo, no passeio público, feito um amontoado de lixo incinerado. Os transeuntes chamaram o carroceiro apagador de fogos, mas já era tarde, a ponte, a Geralda e todo aquele composto sórdido de mal agouro caíra ribanceira abaixo, fazendo o sol brilhar mais forte...

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 28/04/2017
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