Paloma

Paloma podia sentir o peso de olhos sobre o seu corpo, mesmo estando na mais completa escuridão e também inteiramente sozinha em seu quarto. Mas era como se estivesse sendo espiada pela fechadura, ou por alguma câmera escondida.

A sensação era incômoda, mas não era de toda ruim. Tinha chorado até não ter mais nenhuma lágrima para derramar e o sono insistia em não chegar. Talvez por que ela não quisesse dormir. Não queria embarcar em sonhos, ruins ou bons. Queria apagar e acordar em tempos mais amenos. Tateou pela parede e achou o interruptor. A luz feriu seus olhos e demorou alguns segundos até que se acostumasse. Ficou em pé diante do espelho pendurado na parede, em frente a sua cama. Esquadrinhou seu reflexo dos pés a cabeça. Ela sabia que era bonita, mas não se sentia assim. Não pelo rompimento. Não pelo abandono. Não pelas mentiras que lhe contaram. Mas por que se sentia exausta.

Decidiu voltar a escuridão, mas antes acendeu um cigarro.

Odiava aquele vício. Mas a fumaça era uma companhia reconfortante.

Cada trago trazia um pouco de paz e aos poucos desacelerava o seu coração tomado de uma ansiedade que lhe fazia bater descontrolado.

Paloma sentia que o universo lhe devia explicações, muito mais do que a pessoa que lhe magoou. Só que talvez a culpa fosse dela também. Não pela mentira, mas por ter se permitido acreditar nelas. Por ter se permitido embarcar naquela ilusão, enquanto ela era doce. Mas agora, o único gosto que tinha na boca era um amargor quase azedo. Gosto de ferro, de sangue, de saliva seca.

E tudo aquilo lhe trazia um pensamento irritante e constante. – Não se sentia mais capaz de se apaixonar -

Não queria mais os riscos associados. Não queria mais aquela ressaca. A sensação do vômito subindo-lhe pela garganta sem controle.

Não queria a dor de encarar as perguntas sem resposta que o rompimento lhe deixou.

Queria voltar no tempo. Queria uma amnésia.

Queria seu riso de volta.

Aos poucos estava se encontrando. Tinha dias que sentia que estava curada, livre de todo aquele peso... mas os domingos frequentemente lhe traziam tudo de volta.

Melancólica, Paloma apagou o que restava do cigarro na janela e olhou para a rua.

Havia vida lá fora.

Toda a vida que ela tinha deixado de lado...

Ela só precisava encontrar. Ela só precisava se reencontrar,

de novo.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 26/04/2017
Código do texto: T5981860
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