O Poeta

“A vida é a reação que temos diante dela.”

O Pensador sentia-se incapaz de teorizar novamente a respeito de algo que dissesse respeito ao mundo. Nada mais era do que o retrato fiel, velho e desbotado do pensamento de uma filosofia decadente. Sorvia um asco intenso acerca de toda ciência filosófica. Tomou, pois, a decisão profunda de procurar o copo, e sobre nada mais refletir.

Optou, verdadeiramente, por deixar que a Terra evoluísse em seu ciclo de movimentos certos até que o Criador assim permitisse.

Esqueceu-se das longas madrugadas ascetas de elucubração. Esqueceu-se dos seus sentimentos grandiosos, imiscuídos muitas vezes, em sonhos igualmente grandiosos. Esqueceu-se do que pensara. Não mais pensou, e olvidou-se de si próprio.

“A vida é a reação que temos diante dela.”

Os dias não se nominavam. Não sentia nenhum ímpeto em criar sequências de palavras, ainda que, sinceramente, após o resultado final, pudessem-lhe ser o único sentido da vida: conceber pela escrita. Não havia mais espaço em sua existência para reflexões.

Não! Era-lhe necessário lançar-se cada vez mais ao profano e decadente universo da não-sobriedade.

Passava os momentos se autodestruindo, acabando com sua capacidade intelectual, acreditando poder reverter o processo a um novo raiar de sol. Era ele, a seu imo, o que poderia ter dado certo, o que correu contra a correnteza das virtudes, mas por opção – sua opção.

Porque o poder não vem só quando se é, mas também quando se pode (ou se poderia) ser, em potencial. Basta que alguém tenha consciência desse tal poder, mesmo que esse alguém nada mais seja do que si próprio, arrastado pela compreensão perigosa (muitas vezes ditatorial) da consciência de si mesmo.

Da mesma forma se faz com a conquista de uma mulher. Aproveitando-se ou não desse bálsamo, o conforto está em saber que se pode (ou se poderia) ter bebido dessa fonte; sorver ou não é um mero detalhe.

Bem assim, lentamente, o tempo caminhava pela estrada eterna e irremediável dos dias sem volta.

Absorto e enfermo, começou a ouvir vozes estranhas; primeiro, uivantes; depois gritantes e arrebatadoras; vozes que o chamavam a dar ideias novamente à luz; ideias até então deixadas no sótão das ilusões perdidas. Emergiu sua alma do asqueroso poço da decadência, como água pura a se levantar do subsolo. Outra vez renasceu-lhe a vontade (não! a necessidade!) de criar.

Uma força oculta, hercúlea, acachapante começou a brotar de sua mente lânguida, tornando-a, em poucos segundos, furiosamente, uma fonte inesgotável de universos múltiplos.

Legaria à história a única e verdadeira virtude que possuía – criar. Pensar não, apenas criar. Deixaria que as ideias lhe fluíssem à cabeça e transportá-las-ia ao plano do real, para quem quisesse (ou ousasse) conhecê-las.

Já não era apenas um pensador, era um poeta. Fez de seu renovado destino um delírio pungente. Fez das misérias e tristezas um verdadeiro estímulo às suas criações.

Tinha em mente que apenas os poetas, em sua decadência, usariam a desgraça para conceber algo de bom, de válido, de profícuo. Um sonho, um delírio, uma beleza imaginária, um não sei quê que alivia e fortalece a alma. Sim! é esta a mais sublime contribuição que se dá à vida, ainda que as maiores conquistas da humanidade pareçam advir dos mestres que engendraram vantajosos subsídios ao corpo, e não ao espírito. Recolheu-se à sua imaginação (doravante, seu próprio espírito).

Desapareceu, pois, em uma caverna muito, muito distante. Nem tão velho quanto aparentava ser, tampouco jovem quanto ousara sempre se acreditar, minutos após ter concluído a obra que, julgara, transporia os séculos.

Sua filosofia foi toda escrita nas pedras; sua loucura poética nunca chegou ao coração de nenhum ser humano.

A cavidade fria e natural aguarda sua descoberta pelos homens. Homens que, materialmente falando, já a encontraram. Porém, ainda não estão aptos a decifrar a linguagem ininteligível que em suas paredes se proliferam. Muitos acreditam não ser humano.

Quem sabe ... tudo o que é mistério, parece não ser humano.

Chico Poli
Enviado por Chico Poli em 14/04/2017
Reeditado em 14/04/2017
Código do texto: T5970537
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