GLAM POP ROCK SHOW [Parte 1]

O silêncio foi abruptamente interrompido pelo despertador. Eram 6 horas da manhã de uma quarta-feira pretensiosa. A mãe de Emílio entra cuidadosamente e abre os cortinas. Vê s ele já está acordando e lhe dá um beijo e carinho.

– Boa sorte no teste, boa aula e eu te amo.

– Obrigado, mãe. Vai dar tudo certo.

O rosto já iluminado pela luz que entrava pela janela, mostrava o sorridente Emílio que nunca se sentiu tão contente e esperançoso. Ele tinha confirmado um teste para a peça de teatro escolar que uma amiga lhe contou. ”GLAM POP ROCK SHOW” tendencioso título que fez Emílio fazer maratona de filmes como Guardiões da Galáxia e The Rocky Horror Picture Show, de séries como The Get Down e mais uma desculpa para ouvir Kiss, Queen e antigos sucessos dos anos 70 e 80.

Após levantar-se e de ter ido tomar banho, Emílio toma seu café da manhã com seus pais e seu primo Luiz. Ambos o incentivam ao máximo nesse dia tão importante. Após um mês inteiro de ensaio para o personagem desejado, ele ainda sentia que algo poderia dar errado ou dos jurados não ”irem com a sua cara”.

– Não há nada de errado com você, filho. Bonito, inteligente, tudo vai dar certo. – Repetia sua mãe.

– É, tia. E finalmente ele vai poder mostrar os passos que ensaiou esse tempo no quarto. – Brincava Luiz.

– São passos inspirados nos clipes, se eu passar vou me dedicar aos paços da peça. – Dizia Emílio.

– E vai passar não é, pessoal? Filho, vai dar tudo bem. – Aconselhou calmamente seu pai.

E mesmo que naqueles minutos seu coração estivesse mais tranquilo, ao escovar os dentes e ver a si mesmo no espelho, Emílio via o rosto de um garoto com Síndrome de Down e ao olhar para baixo via seu corpo que era um tanto corpulento. Então ele concordou consigo mesmo que seria o que tiver que ser e a aprovação na peça não poderia machucá-lo mais.

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Na escola era sempre a mesma coisa, os amigos Diego e Thom eram os mesmos, as garotas que os evitavam, os outros alunos que os apelidavam eram sempre os mesmos. Os meninos até mesmo passaram a brincar entre si usando os apelidos que receberam no colégio. Espinhenthom, Cíclope e DownMílio pois assim soaria menos mal quando dito pelas outras pessoas.

Dois tempos de biologia, um de história e mais dois de matemática, o que era um dia sacrificante para os demais, para os meninos até soava bem a ser encarado. Cada um tinha uma certa aptidão para uma dessas matérias e eles se ajudavam quando necessário. O recreio entre as aulas era o momento de ficar de baixo de alguma árvore, sem querer muito contato com os outros alunos.

– O que você pretende apresentar hoje? – Thom.

– Queria começar com I Don’t Wanna Lose You da Tina (Turner) e finalizar com Drain You do Nirva(na). – Respondeu Emílio tentando arrumar o cabelo enquanto ventava.

– Talvez devesse trocar não acha? – Indaga Diego.

– Ora, por quê? – Disse Emílio.

– Você vai fazer medley então? Vai dublar? – Diego.

– Ah vou tentar não enrolar muito e dublar sim. – Ele responde.

– E você sabe dançar agora? Muitos ensaios? – Brincou Thom.

– Sei ué, um pouco mas sei, vai ser o suficiente. – Emílio.

– Tendi, vamos poder assistir ou vai ter ataque de timidez? – Brincou Diego.

– Acho que é fechado para os jurados. Se eu passar, vocês até podem assistir os ensaios. – explicou Emílio.

Ao final das aulas, Emílio teria uma hora e meia para almoçar e ter que ir esperar ser chamado para a audição. Estava tão nervoso que comeu escondido barras cereais de seus personagens de desenho animados favoritos. Recebeu uma ligação de sua mãe que o tranquilizou mais ainda.

Saiu daquele que fez seu esconderijo, entre as pilastras. Foi para o corredor ao lado da secretária e viu uma fila com cerca de 16 jovens, segundos depois entrou sua amiga Thamires que lhe tinha contado sobre a peça.

– É bom te ver aqui, Em. Sei que você tem grande potencial. – Disse ela.

– Obrigado, boa sorte para nós então. Foi ótimo esse mês ensaiando, obrigado por contar sobre a audição. – Respondeu

– Que isso, mas me conta sobre o namorado do seu primo, ele ficou doente foi? – Perguntou Thamires.

– Ah, o Pedro. Nossa foi mesmo, Luiz dormiu lá em casa esses dias e contou sobre o resultado do exame. Esqueci o nome da doença agora, mas causa perda de memória, alguma coisa assim. – Ele responde.

– Poxa, imagina que chato ir vivendo as coisas, mesmo boas ou ruins e de repente ”puff” elas somem sem data para voltar – Completou ela

– Verdade verdade, o Luiz disse estar confiante e preparado para isso. Eles se amam muito ao menos – Terminou Emílio.

– Amam sim, são um grande exemplo, é difícil ver algo sincero como eles – Diz ela.

Então após concordar e acenar com a cabeça, Emílio começa a ficar nervoso e sente sua barriga ficar mole por dentro como se houvessem borboletas lhe fazendo cócegas. Enquanto o tempo ia passando tão devagar, ele ia vendo a fila indo e os candidatos voltando tristes. A fila atrás dele ia enchendo cada vez mais ”parece que cantar e atuar ficou rápido na moda” pensa ele em tom de brincadeira.

Thamires seria a próxima, após ser chamada e de dar um abraço apertado nele. Emílio começava a ficar preocupado se um deles não passasse, com mais chances dela ser chamada e ele não. Afinal, eles eram muito amigos desde o primeiro ano e era uma das únicas que pessoas que não evitava a ele ou seus outros amigos, costumavam ficar trocando sugestões de livros e HQs.

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Após 30 minutos, Thamires sai com um vestido branco totalmente Marylin Monroe e chora nos ombros de Emílio.

– O que houve, meu deus? – Ele pergunta nervoso.

– Eles amaram! Vogue (Madonna) e Man! I Feel Like A Woman! (Shania Twain) funcionou!

E antes de poderem estenderam a conversa, ele é chamado para o teste e recebe um beijo de boa sorte na bochecha. Ao entrar, pela porta azul, ele passa por um corredor repleto de fios e elementos cenográficos até chegar ao centro de um grande círculo branco no chão que supos ser o palco.

Perdido olhando para cada canto do lugar, ele é chamado atenção pelo jurado grisalho. Pediu desculpas, trocou de sapatos e colocou o cd com suas musicas da audição no pequeno aparelho de som. E ali ele sentia que sua vida poderia mudar.

– Tô vendo aqui, pela ordem é o Emílio Santini não é? – Pergunta um dos jurados.

– Ah sim, sim. Posso começar então? – Diz bastante nervoso.

– Por favor! – Responde o mesmo jurado.

Ao final da apresentação, ele notou não ter empolgado muito os jurados. Então enche o peito de ar e espira para manter-se calmo, olha atento para a bancada dos jurados e espera que ao menos não seja expulso e no mínimo alguma crítica construtiva pelo esforço dedicado nas últimas semanas com os ensaios.

– Tem boa presença, realmente. Mas falta algo… – Disse o primeiro jurado.

– Francamente, falta emoção! – Disse o segundo.

– Talvez ele tenha lido o nome da peça errado, gente. Não é o ”GLAM POP ROCK SHOW” , é o karaokê de final de festa. – Completa o jurado grisalho.

– Desculpa, eu acho que fiquei um pouco nervoso e… – Emílio tenta consertar.

– O problema não é o nervosismo, até porquê já fizemos teste de 16 pessoas hoje e muito mais nos dias anteriores. Garoto, você só não soube se apresentar – Diz o segundo jurado.

– A menina que veio antes de você, focou em um ponto fixo. Soube dividir os momentos e tornou cada parte épica – Falou o primeiro jurado.

– Garoto, por quê você está nervoso? – Perguntou o jurado grisalho.

– Acho que não comi direito…(respirou fundo e)…olha, eu amo arte dos anos 70 e 80. Sou gordo, tenho síndrome de down, olha o meu jeito de falar…mas toda vez que eu ouço alguma musica, sinto que fosse a coisa certa a fazer, e essa coisa é dançar, interpretar, que seja…

Após risadinhas dos jurados, ele foi convencido a tocar novamente as musicas escolhidas, boa parte das luzes foram desligadas e tinha um grande holofote especialmente para ele. O medo de Emílio ainda era sobre ele mesmo, mas sentia que daquela vez, naquela vez exata poderia soltar e descontar toda raiva e mágoa usando sua interpretação e amor pela musica.

Antes mesmo de terminar a segunda música, ele já notava uma certa felicidade e aprovação nos rostos dos três jurados. Ao terminar Emílio sentia-se tão completo e certo do que estava fazendo, realmente aquele dia mudaria sua vida.

– Isso sim foi uma apresentação, garoto – Disse o jurado grisalho.

– Para você ver, não tem essa coisa de ”eu sou isso”, ”eu sou aquilo”, você pode dançar, você pode interpretar. Isso é um grande dom e você tem, me orgulho e quero muito que você esteja na peça. – Disse o segundo jurado.

– Parabéns, mesmo. Concordo e acho que já pode se empenhar mais para o grande show.

Emílio não sabia mais palavras para agradecer e tinha um sorriso tão grande e satisfeito em seu rosto. Saiu dalí radiante a procura de algum rosto conhecido. Diego e Thom o estava esperando ao final da audição, e receberam um grande abraço do contente garoto. Após brincadeiras e elogios, todos continuavam tão felizes. Finalmente um dos garotos escondidos, iria ser o centro das atenções no colégio.

TEXTO E REVISÃO: Raphael Maitam

Nota 1: Luiz e Pedro são personagens do conto: Histórias Para Lembrar (https://canteirodepoemas.wordpress.com/2017/03/17/conto-historias-para-lembrar/)

Nota 2: As imagens usadas nesse texto não são de minha autoria, apenas retiradas da internet.

Nota 3: A PARTE DOIS ESTÁ PRÓXIMA :)

Seja bem-vindo para ler esse poema e mais outros no meu livro disponível no wattpad: https://www.wattpad.com/story/96435471-versos-por-aí

E também no: https://canteirodepoemas.wordpress.com/2017/04/10/glam-pop-rock-show-parte-1/