A ilha (fevereiro de 2017)

Era uma ilha redonda e pequena, como se tivesse sido criada para um só homem. Havia nela um homem e um coqueiro, em uma circunferência de três metros de diâmetro entre uma praia e outra. Dormia sob as estrelas estirado sobre a areia e comia coco. Quando tinha sede, saciava a sede com água de coco.

Estava ali a tanto tempo que havia perdido a conta dos anos que se passaram. Lembrava-se de que havia sido um náufrago, único sobrevivente de uma pequena embarcação de pescadores. E pensava volta e meia em sua mulher e filhos: estes já não mais existiam no dia-a-dia do homem de quarenta anos de idade, mas não os esquecia.

Sua rotina era certa, e por isso seus dias eram iguais. Acordava, comia e bebia do coqueiro da pequena ilha e tentava com uma pedra pescar de uma só tacada um peixe para o almoço. Às vezes conseguia, e esses dias eram especiais. Com a madeira e a palha do coqueiro aprendera a fazer fogo, então havia dias em que cozinhava peixe.

Os dias de chuva lhe traziam água potável que bebia na palma da mão. Mas nestes dias o mar ficava tão agitado que tinha que refugiar-se encima do coqueiro. As ondas grandes lambiam a areia e o levariam consigo, se não houvesse o abrigo do coqueiro. Por isso, não havia em seu pequeno mundo algo que estimasse mais que o coqueiro.

Vivia, portanto, na mais profunda solidão, sem avistar nada além dos peixes, poucas gaivotas que apareciam uma vez ao ano por lá e o coqueiro. Em seus dias mais solitários conversava com o coqueiro. Chamava-o carinhosamente de “amigãozão” e confidenciava-lhe toda sorte de acontecimentos de sua vida.

Em suas lembranças havia o dia em que caiu da bicicleta ao perder o controle na descida de um morro e esfolou a testa no paralelepípedo. Os passantes da rua acorreram, e ele foi levado desacordado para um hospital. Passadas algumas horas e seus pais, avisados por um conhecido, entraram no quarto para cobrir-lhe de ameaças por haver perturbado.

Nada havia de mais distante naquela ilha que um hospital. Decerto, o amigãozão não teria como compreender o que significava um lugar para onde eram levados os doentes para serem cuidados. Mas, assim mesmo, Paulinho (eis o nome do náufrago) contava e recontava a história para o amigãozão.

Também contou sobre o dia em que, durante sua festa de aniversário, enfiou a mão inteira dentro do bolo muito antes dos parabéns, o que lhe valeu uma surra daquelas de sua mãe. Aquele havia sido, provavelmente, o dia em que mais chorara em toda sua vida. Odiara sua mãe e fez muitos planos (que nunca se concretizaram) de fugir de casa.

Entre uma história e outra Paulinho caía em silêncio profundo. Era tomado por imagens, sons e cheiros que haviam restado na memória. Depois recomeçava uma narrativa e não se preocupava se já havia contado aquela história para o amigãozão. Importava apenas que ele lhe ouvisse, o que (tinha para si) o coqueiro fazia atenciosamente.

Mais de uma vez Paulinho tentou fugir a nado daquela ilha. Mas não havia destino ou ponto de chegada para quem saía dali. E as ondas do mar sempre teimavam em trazê-lo de volta para o ponto de partida. O homem nadava e nadava apenas para que o mar o movesse para o ponto de início de sua empreitada.

Sonhava com o aparecimento de um navio no horizonte, e com sorte alguém poderia avistá-lo ao longe, mas aquelas eram águas rasas e os navios costumam navegar em águas profundas. Para Paulinho, não importava em que direção olhasse, avistava apenas mar e nuvens no céu. Sua ilha estava sozinha perdida no meio do oceano.

O homem sabia que estava sozinho com o amigãozão e isso o desesperava às vezes. Uma ou duas vezes chorara copiosamente ao lembrar-se de um cão. Lembrara-se de que tinha um cão em casa, e desejara que Deus pudesse ao menos ter-lhe dado a companhia de um cão para viver com ele naquela ilha.

Depois do choro desculpou-se sem cerimônia com o amigãozão, e explicou-lhe que não achava que a companhia de um cão valia mais que a companhia que encontrava nele, o querido coqueiro de sua terra infeliz no meio do nada. Assegurava que, uma vez que tivesse ali um cão, não permitiria que ele fizesse xixi em seu tronco esverdeado.

Houve a manhã em que festejou a morte dos companheiros do barco de pesca que naufragara. Caso houvessem sobrevivido, não seria possível viverem todos naqueles três metros de diâmetro ponto a ponto da ilha. Além do mais, o amigãozão não daria conta de dar água e carne para todos os pescadores naquele lugar. Que bom era estar só.

No entanto, depois de sua pequena celebração com uma fogueira, arrependeu-se de ter cogitado tais coisas. Todos os seus amigos eram bons homens e Deus haveria de prover a todos caso tivessem sobrevivido – fosse naquela ilha ou em qualquer outro lugar do mundo. A morte presumida de seus amigos pescadores era, afinal, uma terrível tragédia.

E então, ao chegar a noite, acomodou-se com o corpo estirado de costas para a areia e a cabeça acomodada encima de um pedaço de coco. Viu as estrelas que formavam constelações e galáxias, e se acreditou um homem de sorte. No mundo inteiro ele era parte de uma minoria capaz de vislumbrar o universo a olhos nus. Diariamente.

Amigãozão costumava responder a Paulinho quando este contava-lhe suas histórias ou quando formulava perguntas. Era, de fato, o vento que fazia com que o coqueiro balançasse de um lado a outro, quase tocando o chão. Nesses momentos, o homem observava com seriedade o coqueiro e se questionava se o interlocutor era sincero.

Enfim, sem esperança alguma de salvar-se da pequena ilha, aprendeu a viver nela aproveitando-se dos recursos reais ou imaginários que nela dispunha. E aprendeu sobretudo a lembrar-se e compartilhar suas lembranças, de forma a render homenagens àqueles que já não pertenciam mais ao seu cotidiano. Àqueles distantes de sua ilha.