Coisas que acontecem - Estrelas

Em sua fase mais louca eu a conheci.

Em uma noite de verão andado com uma garrafa de Vodka na mão, vendo o mundo girar em minha volta, enquanto cambaleava de volta para casa. Em uma avenida pouco movimentada tendo dois amigos em minha companhia, tão bêbados quanto eu. Tropeçávamos em nossos próprios pés enquanto cantávamos alto e desafinados músicas dos anos 70 a 90 que conhecíamos como a palma de nossas mãos. Tínhamos largos sorrisos em nossos rostos e brilhos em nossos olhos, que estavam cheios de desejos pelos prazeres da vida. Não nos importávamos com as pessoas a nossa volta nos encarando ou com os carros buzinando, nós simplesmente estávamos felizes, o tipo de felicidade que só pode se encontrar no fundo de uma garrafa de vodka. Não percebi sua chegada, só a percebi quando já estava lá, parada na minha frente, estendendo o braço e pedindo um pouco de minha bebida, estava sozinha e parecia estar tão louca quanto qualquer um de nós, antes que pudesse dar qualquer resposta ao seu pedido ela tomou a garrafa de minha mão. Se qualquer um de meus amigos estivesse presente naquele instante, estariam preparando-se para me segurar em meu surto, pois, eles sabiam que não aceito ninguém tirando qualquer coisa alcoólica que seja de minhas mãos. Porém, dessa vez, as coisas foram diferente. Não senti raiva, como poderia, pois, a única coisa que conseguia fazer era admira-la, com seus curtos cabelos castanhos claro, sua boca pequena pintada de vermelho e seus olhos negros que pareciam espelhos para o céu estralo, pois refletiam todo seu brilho.

Meus amigos não pararam de cantar enquanto corriam avenida a baixo, estavam tão distraídos que nem notaram minha breve ausência. Não saberia dizer se era efeito do álcool ou algum tipo que efeito estranho que é causado por algo que nos cativa, seja o que for, me deixou inerte. O simples ato de beber, de uma maneira um tanto desespera, minha bebida era cativante aos meus olhos. E meus olhos só sabiam fita-la e admira-la. Acompanhei cada um de seus movimentos quando ela terminou de beber, me entregou a garrafa e aos poucos foi afastando-se. Não podia deixa-la ir daquela maneira, minha reação foi quase instantânea:

"Vai simplesmente beber assim e ir embora sem me dar nada em troca!? "- o que era para ser uma simples pergunta soou muito mais como uma suplica desesperada.

Ela me encarou, sorriu, não com um sorriso escandaloso, era delicado, um sorriso de canto de boca, de um jeito que só as pessoas com algo pretencioso em mente sorriem. Ela se aproximava, não estava exatamente distante mas também não estava perto, cada passo em minha direção fazia meu coração bater um pouco mais rápido, antes que pudesse perceber ele estava disparado. Ela não disse nada, senti quando seus lábios se juntaram aos meus, seus braços me envolviam, suas mãos se revezando entre meus cabelos, minha cintura e minha bunda, minhas mãos em sua cintura a puxaram para mais próxima mim, nossos corpos quase se misturaram um no outro, por muito pouco não deixei a garrafa cair, a segurei com firmeza, mas segurei a garota com ainda mais firmeza. Foi como sentir Terra girar e o mundo ao meu redor desaparecer, sem pessoas encarando, carros buzinando ou a voz desafinada de meus amigos cantando as melhores de Legião Urbana. No momento que nos desenlaçamos, sentia que algo havia sido perdido, suas mãos ainda seguravam meus cabelos minhas mãos não queriam solta-la, mas soltaram e foi como ter sido traga bruscamente de volta ao mundo real e, mais uma vez, ela se afastava de mim, sem mais palavras:

"Ei, me diga seu nome, eu me chamo Emily “-disse a ela

Ela sorriu novamente, da mesma maneira que sorriu antes de me beijar:

"Olhe para o céu, observe seu brilho e tente descobrir meu nome” -respondeu calmamente. Dera um passo para trás para cada palavra que dissera, andava de costas sem olhar para frente em nenhum momento, pois seus olhos me fitavam assim como meus a fitavam.

No momento em que olhei para o céu estrelado desvendei, rapidamente, seu enigma. Porém, quando entreabrir os lábios para dizer seu misterioso nome, ouvi um grito de meus amigos, que subiam a avenida desviando dos ramos de árvore plantados na calçada, cambaleando em minha direção gritando meu nome:

"Emis!!!! "

Eu os ignorei e olhei para frente novamente, mas a garota havia sumido, me virei para a esquerda e avistei um jovem casal passeando de mãos dadas do outro lado da avenida, olhei para direita e várias pessoas passavam às pressas encarando dois lunáticos que subiam a avenida gritando como se fossem tietês eufóricas avistando seu maior ídolo.

"Emis, está tão bêbada que não consegue mais andar!?" - Gritou Charles.

"Olha para ela, eu não vou te carregar, até porque que não te aguento!" - Disse Dinah.

Não tirei a razão de meus amigos, porque, apesar de estarem bêbados não estavam cegos e viram como meu corpo permanecia inerte, a não ser do pescoço para baixo, que acompanham o movimento de meus olhos que procuravam a garota da avenida. Como alguém desaparece assim sem emitir ao menos um som?

"Vocês viram? Viram a garota que estava comigo? Para onde ela foi? "-perguntei aos dois.

Meus amigos se entre olharam:

" Cara, ela está mesmo chapada. “-disse Charles para Dinah

"Realmente, está na hora de ir para casa. “-respondeu Dinah, piscando rapidamente os olhos como um tique nervoso.

"Não, vocês não viram? Ela estava aqui, agora, até tomou um gole de minha bebida e depois me beijou.” - Questionei.

"Ela já está sonhando “-disse Dinah enquanto gargalhava

"É sério, olha a minha boca, aposto que está manchada de vermelho e eu não estava usando batom hoje. "-disse apontado os dedos para meus lábios manchados de vermelho, já irritada com a gargalhada dos bêbados que me acompanhavam.

"E quem garante que esse batom não veio das outras dezenas de bocas que você beijou agora pouco no show? "-questionou Charles enquanto ria junto a Dinah.

Virei os olhos como um sinal de aborrecimento e desistência, sabia que não iria chegar a lugar algum discutindo com eles, 'nunca discuta com um bêbado' é o que dizem.

Dei as costas para eles e suas gargalhadas, olhei novamente em direção de onde viera a garota que tomara minha vodka.

"Estrela é seu nome?" - me perguntei, com a certeza de minha resposta, pois nunca em nenhuma outra noite de verão ouve céu tão estrelado.

Regiane Martins Nonato

Março/2017

Regiane Abelha
Enviado por Regiane Abelha em 18/03/2017
Reeditado em 17/12/2017
Código do texto: T5944678
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