A GASTURA Parte 1.

Quem aqui nesta grande bola de minério flutuante, pertencente à espécie homo sapiens, não sente gastura? Ora! A gastura está para o homem como Colombo esteve para as Américas; em algum momento ela irá te invadir. Contudo, as formas do fenômeno acontecer variam pelos mais diversos motivos. Não há uma ação especifica para senti-la, existe uma reação, uma transformação nas suas entranhas, na psique, pele, temperatura, humor, sentimentos e emoções. De repente, gastura! Eu, por exemplo, sofro em maior grau desse mau quando vejo alguém em qualquer distância de mim, dobrar ao meio um papel, pressiona-lo com as unhas e então desliza-las sobre o comprimento da dobra, indo e voltando, aquele barulho, aquela sensação... Aquilo me deixa trincado, empalideço, minha língua seca, meus lábios são sugado para dentro da boca, meus olhos se contorcem em espasmos, os músculos de minha face se tornam rígidos, os do meu pescoço se contraem. Suo frio, a espinha dorsal endurece violentamente, meus dedos começam a fazer movimentos tesos e aleatórios. No meu âmago, lá dentro do estomago, tudo se recontorce, a gastura me ataca violentamente, sinto vontade de vomitar um seco, sinto que passará por minha garganta um pombo com penas viradas. Toda a experiência dura alguns segundos, o mesmo tempo que a pessoa carrasco leva para dobrar o papel com as unhas. Mas, conhece você a teoria da relatividade?

Cumulo do arrepio: banguela morde um gilete.

Amanda trabalhava de enfermeira, adorava sua profissão, especializou-se em assistencialismo geriátrico. Tornou-se chefe administrativo da Santa Casa de Apoio a Melhor Idade, uma ONG. Amanda amava seu trabalho, enricou.

Há dias que mesmo no emprego dos sonhos, caminhando no belo destino que Deus te deu, as coisas fogem um pouco do controle. Não seja mesquinho, às vezes o bom senhor te dar um beijinho na testa, te embala e vai fazer alguma outra coisinha.

Naquele dia a voluntária da Santa Casa ligara mais cedo para Amanda, dissera que não poderia ir exercer seu altruísmo, pois sua mãe estava se sentido mal e precisaria dar-lhe suporte. Das duas, uma; Os velhos de tremedeira aguda se alimentariam sozinhos aquela noite; Os velhos de tremedeira aguda estavam ali porque não conseguiam se alimentar sozinhos. Nenhum empresário filantropo da de comer a sua mãe.

Amanda, a grande mãe, preparara a sopa. Abriu cinco latas daquele produto pastoso, despejou tudo numa tacha grande. Aquilo não fervia. – Abre a boca vovó. – Vovô isso é uma colher, não é seus remédios, ainda. – Dona Margarida – abre o bocão que te enfio a comida. Os velhos mastigavam tão lentos e desordenadamente, que Amanda Poderia alimentar todos idosos ao mesmo tempo, uma colher de sopa por vez para cada.

Seu Isaías era um velho vaidoso, fazia a barba duas vezes por dia. O Alzheimer lhe fazia acreditar que ainda crescia barba em suas pelancas faciais. Hoje, tirou o lamina do barbeador, tentou seduzir as moçoilas de oitenta e tantos anos dizendo que aquilo era o melhor chiclete de menta que havia, foi importado de paris. As oferecia. Sua tentativa de agrado parecia uma ameaça de morte gangster com navalha, o infeliz também sofria de Parkinson.

Amanda se voltou para aquele senhor com a segunda colher de sopa. O espanto, o arrepio, a primeira gota de suor frio que desce bem no meio da testa. Seus Isaías ostentava seu sorriso com uma gilete posta em pé no meio da banguela. Não demorou muito para o Parkinson atingir aquela carranca velha, o gilete começou a tremer de um lado para o outro naquela gengiva macia, roxa e pouco carnuda, a cada tremedeira a gilete entrava e saia macia. A lamina permanecia em pé naquele sorriso desdentado, porque ele ainda ria!? Às vezes o gilete era pressionada com tal força que entortava e entrava na carne lateralmente, um espicho de saliva com sangue. A língua do velho, ainda suja de sopa, resolveu entrar na dança e puxou a gilete para o fundo da boca. A lamina desceu rasgando pela garganta do velho, ele se contorcia. Uma lágrima no olho esquerdo. Os outros velhos se empapuçavam com a sopa. Na manhã seguinte o funeral naquela mesma casa de apoio, a família de Isaías não compareceu. Amanda mandou uma cópia do óbito para seu filho. Causa da Morte: Velhice.

CONTINUA...

Sebastião Monte Moreno
Enviado por Sebastião Monte Moreno em 28/11/2016
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