AVENTURAS LITERÁRIAS - EP 15 - A CAMBADA DO SEBOSO

Oito amigos inseparáveis, inteligentes, afáveis, brincalhões e tímidos.

Colegas durante o segundo grau, agora seguiam carreira universitária em áreas de estudo semelhantes, mas o que mais os unia eram dois fatores diferentes. Eram nerds do tipo clássico: óculos fundo de garrafa, roupa desleixada, cabelos desgrenhados, físico fora de padrão, aversão a esportes e dedicação extrema aos estudos. Por conta disso, uniram-se para enfrentar chacotas, desprezo e, eventualmente, surras.

Por outro lado, eram todos muito talentosos na prosa, verso ou composição musical.

Reuniam-se quase todas as sextas e sábados num barzinho simples da periferia, onde cantavam, declamavam versos e liam textos de sua autoria, geralmente dedicados às meninas bonitas que por ali circulavam ou freqüentadores. O pessoal se acostumou com a simpática baderna, e tirava fotos, filmava, postava nas redes sociais. Foi aberta página no Face em nome do grupo, que se autodenominava Cambada de Acadêmicos do Seboso (Seboso era o apelido do barzinho, por conta das toalhas de plástico oleosas), ou apenas CAMA DO SEBOSO. Certa noite apareceu por ali um repórter da TV, e tanto insistiu, que aceitaram fazer parte de documentário sobre suas atividades artísticas. Sete câmeras, vinte microfones, dezenas de luzes e muita tensão no ar, mas mesmo sem muita naturalidade, a coisa saiu, e quando foi ao ar, fez enorme sucesso. Deram-lhes outro nome: “OITARTE”. Não gostaram.

Na semana seguinte, quando chegaram ao bar, uma multidão os aguardava. Tiveram de fechar a rua, providenciar palanque externo, surgiram flanelinhas e vendedores de tudo, e os rapazes tremeram na base. À custa de maracugina e chá de melissa, enfrentaram a turba com suas traquinagens literárias e musicais, e agradaram bastante. Foram muito aplaudidos.

O sucesso chegou na forma de entrevistas, convites, gravações, publicações e muita festa. Não estavam acostumados a estar no centro das atenções, a não ser quando eram espicaçados, maltratados, e, meio sem jeito, assumiram o papel de celebridades. O mais curioso, senão patético, foi receber a visita dos antigos colegas que os surravam e daquelas garotas que os desprezavam, e agora queriam posar de amigos de infância ou namoradas.

O barzinho foi todo reformado e agora se chamava “drinqueria”, com sistema de som, cadeiras estofadas, garçons uniformizados, cardápio em inglês e “toalhas de linho”.

Foram convidados ilustres de festivais literários, eleitos (à revelia) como membros de academias locais ou regionais, mas não se deixaram contaminar com a fama fácil, pois ainda preferiam o anonimato e a tranqüilidade anterior, com exceção de Felício, o mais novo do grupo, que se entregou de corpo e alma àquela papagaiada toda. Não só se inebriou com a balbúrdia à sua volta, como ainda aderiu a uma seita estranha e doou ao guru de ocasião tudo que possuía. Internou-se numa fazenda com devotos e de lá só saiu quando a polícia baixou, achou montes de drogas e armas e levou todos presos, menos o líder, que fugira antes.

De um dia para o outro, com a notícia da prisão, ficaram todos com fama de drogados, pervertidos, mal intencionados e desencaminhadores de menores, pois na tal fazenda havia muita rapaziada nova. Não adiantou dizer que só um do grupo aderira ao culto, que mesmo ele não sabia nada das atividades criminosas do falso guru. Tiveram de gastar os tubos para livrar da cadeia o amigo, esquivando-se da multidão de pessoas que os perseguiam, apedrejavam e até queriam linchá-los. Foram meses de inferno, até que os esquecessem, pra valer.

Mudaram para outro país e seguiram com os estudos, incógnitos, silenciosos e relegados ao seu cantinho doméstico, por anos. Terminados os cursos acadêmicos, retornaram e verificaram que já nem se lembravam mais deles. Mais tranqüilos, buscaram encaminhar as carreiras e, ainda vivendo juntos, começaram a construir o futuro profissional, através de empresa comum ao grupo. Em pouco tempo já se estabilizavam, financeiramente.

Certa noite de sexta, resolveram visitar o antigo barzinho. Estava fechado, falido.

Contataram o dono e compraram o ponto, com a intenção de reabri-lo.

- Tá tudo como vocês viram da última vez. A drinqueria pode reabrir sem muita obra.

- Que drinqueria? Vamos reativar o Seboso. Fora com toalhas de linho. Queremos as plásticas, escorregadias. De volta às origens como a Cambada dos Empresários Unidos do Seboso, ou apenas CÉU DO SEBOSO. Só um cantinho pra gente extravasar.

Por via das dúvidas, só declamavam ou cantavam quando os clientes estavam caindo de bêbados, e ainda proibiam fotos. A palavra “fama” ainda lhes causava urticária.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 06/11/2016
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