O PREÇO DA LIBERDADE

Nunca desejara casar nem ter filhos. Sabia que seria cruelmente cobrada por isso. Herdeira de uma timidez doentia, evitava encontros com conhecidos distantes para não ter que justificar o seu desejo de liberdade. Sua felicidade era uma afronta, afinal, o casamento parecia ser o único meio de salvação para a mulher. Naquele dia, não pode evitar. Subiu no ônibus, como de costume, carregada pelos livros. Sua cadeira cativa, solitária, tinha sido ocupada. Sentou-se nos fundos, ao lado de um homem que dormia de boca aberta. Antes da próxima parada, um freio inesperado jogou quase cem quilos de ronco para frente da cadeira. O homem envergonhado, levantou-se, pediu parada e saiu. Aquela cadeira vazia ao lado a angustiava. Não que ela sofresse de algum tipo de carência ou gostasse de conversar. Muito pelo contrário, era amante do silêncio.

Duas paradas à frente, o pesadelo ganhou formas e um rosto conhecido. Espremeu-se com os livros na janela do coletivo, desejando não ser vista, fechou os olhos e orou para que o vazio permanecesse ao lado. Gelou ao perceber um leve encosto. Podia sentir o cheiro de sua madrinha há anos perdida no bairro vizinho. “Eu não acredito! É você mesma? Como cresceu!”

Sentia-se morta. Queria morrer.

- Aninha!

Ao pegar em seu braço, a pobre senhora assustou-se com a baixa temperatura do corpo da filhada. Sacudiu-a. Obrigando-a a abrir os olhos e fingir-se recém acordada. Entregou-se como quem era convocada para a guerra, ou pior, para um interrogatório sob tortura. "Que susto! Você está gelada, precisa se agasalhar melhor, minha filha." E segurando no braço de uma mulher que não suporta ser tocada fora da intimidade permitida, iniciou o interrogatório: "E aí... Estás morando onde? Já casou? Quantos filhos?..." No auge dos seus 38 anos, Ana não encontrava nos inúmeros livros uma resposta que não agredisse a madrinha. Olhou-a secamente nos olhos e atirou: “Sou muito feliz! A benção”. Levantou. Pediu parada. E deixou a pobre senhora preocupada com a afilhada sumida que, de tanto estudar, perdera o juízo.