O FUNERAL

A responsabilidade de primogênita de seis irmãos e um barraco roubaram suas memórias infantis. Sempre sentiu-se acorrentada à uma alma velha. Com o mapa da maturidade talhado nas rugas de seu espírito, enquanto a genitora buscava o sustento, brincava de ser mãe dos irmãos, bonecos e bonecas vivos. No conto sem fadas, enterrou-se criança sem direito à uma lágrima. A represa só rompeu quando, raquítica aos treze anos, seguia a tradição de ir à festa de Cosme e Damião com os cinco caçulas, e deram-lhe a notícia: “a senhora já está uma mocinha, os bombons são para as crianças”. O pranto não bateu à porta. Invadiu. Sem tempo de engolir o soluço, sentou-se na calçada e chorou seu funeral. Sepultava definitivamente o que restara da criança.