Um mundo imperfeito: avareza (junho de 2016)

O que dizer de um ser humano completamente maduro, se é que ele pudesse existir? Seria possível encontrar pessoalmente um homem que fosse tão evoluído? Quantas vidas seriam necessárias para que um homem se tornasse plenamente desenvolvido no que tange ao seu amadurecimento enquanto pessoa?

É uma questionamento profundamente filosófico mas, ainda que pareça difícil a tarefa de empreender tal questionamento, acredito que seja válido o intento. Em um mundo perfeito, trinta ou quarenta anos seriam o bastante para o desenvolvimento de um ser humano? Seria o suficiente para um ser humano florescer?

Qual a medida do desenvolvimento da espiritualidade de um ser humano? Tendo em vista as diversas práticas de ascetismo existentes, seriam eficientes para que um ser humano desenvolvesse seu espírito? E quantos anos de prática espiritual seriam necessários para trazer resultados à vida deste ser humano?

Moralmente, o que dizer do desenvolvimento possível para um ser humano? A Filosofia daria conta disto? Será que uma filosofia ética ou pautada na moralidade dariam conta do crescimento moral de um ser humano hoje? Apenas a leitura de filosofia ou a busca empreendida dão conta do trabalho de fazer fortalecer moralmente um ser humano?

Eu me fazia este tipo de questionamento hoje de manhã na cozinha, ao lado da cafeteira de expresso. Para um café bom, uma máquina cara. Esperar pelo bip que avisa que o café está pronto me dá um prazer grande. Enquanto espero, divago sobre questões que julgo realmente importantes para serem feitas. Nem algo mais, nem algo menos.

Meço tudo na minha vida: desde a quantidade certa de água que tenho que adicionar à máquina de café até os minutos de pensamento que gasto enquanto espero pelo café perfeito de uma manhã de trabalho. Depois meço o tempo que levo de carro daqui ao escritório – sou advogado – e o tempo gasto no almoço. E meço até o tempo que durmo.

Manhã de segunda-feira, o café está pronto. Leio o jornal na Internet enquanto sorvo uma xícara de café. Sempre disposto a me entregar a assuntos elevados, nobres como os do início deste relato, procuro pelas palavras chave “espírito”, “filosofia”, “alternativo”, mas não tenho sucesso em minha busca.

Tenho o hábito de não assinar nenhum jornal. Prefiro a isso comprar dois periódicos na rua, na banca de revistas na calçada logo na entrada do edifício do escritório onde trabalho. Para isso, tenho que ter dinheiro trocado. Faço diariamente, antes de sair de casa, uma procura na carteira por moedas que pagam os jornais.

Sozinho? Não tive sorte no amor. Dois relacionamentos sérios até os meus presentes trinta e dois anos. Mas devido ao incômodo que causei na vida das minhas mulheres nos afastamos antes que a coisa pudesse se tornar séria demais. Faz meses que não sei o que é uma carícia de mulher, o que dirá o sexo...

Mas acredito que a troca por uma busca filosófica na vida, ou uma busca espiritual, pagam a solidão que sinto. Por isto me ponho sempre atento a pesquisar a meu redor os acontecimentos do mundo e os momentos em que posso acumular lições de crescimento espiritual. E me pergunto: quanto mais para fazer desabrochar meu espírito?

Esta segunda-feira não tenho o suficiente para pagar pelos jornais, falha que deve-se à minha falha em prever que deveria guardar o trocado dos jornais. Talvez isso deva-se ao fato de eu der dar esmola ao homem das esmolas na entrada do edifício onde trabalho, perto da banca de revistas. Talvez não, uma vez que não me é de praxe dar esmolas.

Pois aí apresenta-se um empecilho para quem pensa em espiritualizar-se? Para os muçulmanos, faz parte do desenvolvimento espiritual dar esmolas. Mas eu não dou esmolas, porque sinto que dando esmolas crio alguma obrigação com o pedinte que não é bom para o desenvolvimento espiritual dele.

Não dou esmolas, não ajudo instituições de caridade, não contribuo com nenhuma obra assistencial. Ao pagar o imposto de renda, no entanto, aceito fazer em parte o pagamento para uma associação cultural que promova cultura. Esta é a minha maneira de contribuir com o desenvolvimento espiritual e moral da sociedade.

Tenho amigos. Todos os dois muito bem sucedidos e que trabalham no mesmo ramo que o meu, em escritórios de advocacia de boa fama na cidade onde vivemos. Daniel e Miguel são a melhor companhia para um whisky no happy hour do final de tarde de uma sexta-feira. Mas não se interessam como eu por questão a que chamo profundas.

Nossas famílias – a minha, a de Daniel e de Miguel –, eram muito amigas e crescemos os três juntos. Miguel é divorciado faz dois anos e Daniel nunca conseguiu um relacionamento que durasse mais que uma semana. Eu tenho que admitir que no caso de Daniel ele é muito sem jeito para a coisa... não tem o tino, talvez não tenha a paciência.

Eu, abandonado como tenho que admitir pelas duas musas que passaram pela minha vida, consegui “me virar” ao voltar minha vida para a contemplação. Voltar minha busca diária por diversão para um novo foco, para a filosofia e para a espiritualidade. Levo alguma vantagem nisso sobre meus melhores amigos.

Minhas duas musas separaram-se de mim alegando que eu não sabia dividir um pouco de mim com elas. Minha vida era impenetrável. Ambas estavam de acordo nas mesmas acusações. Eu era para as duas, literalmente, avarento. Tão pouco me conheciam, talvez? E será que existe um homem plenamente maduro? A falha está em mim.

Esta manhã não vou comprar os dois jornais na banca do edifício do trabalho. Faltam-me as moedinhas. Aqui estou eu necessitado de minha própria caridade. Necessitado de umas moedinhas que nunca gasto com o pedinte na rua do edifício do escritório. Necessitado desesperadamente de respostas para perguntas simples – mas intermináveis.

Celso