Olhos de cego

Amanheceu. Mas não para o cego. Estivera a noite toda, ou quase, a vagar pelo paupérrimo cômodo. Estafado. E não da vida, do escuro. O escuro é mais pesado do que o chumbo, constatou. Já que enquanto este útimo embebeda seu preto no branco,o primeiro carrega o negro de um funeral sem paz. Desolação. Ranger de dentes. Julgamento final.

Então. O cego, que só por fora assim era, por muito perambular se entregou ao desgaste que atinge os ossos. Sentou-se. Precisamente numa cadeira. É marrom, pensou. E não era. Era preta. Mal sabe o que não vê que tudo é preto. As pessoas. A água. O sangue. Porque isso, do mundo ser colorido, não passa de uma infantil utopia. Nunca foi, Nunca será. Duvida?

Que horas são? Não há horas. A existência do tempo é uma fraude. Ele ignora. Que horas são? pergunta para si de novo. Mas o tempo está no branco. O branco está em outro mundo. Ele escuta um tiquetaquear . E o relógio está a minha cabeceira, acrescenta. E que útil me é.

Incertezas. Levanta. Três passos. A primeira janela é aberta. Os olhos olham para fora. É dia? Que horas são? se pergunta pela terceira vez, feito um demente não assumido. Ah, lá deve ser umas sete e meia, responde, para não se deixar no vácuo. Hora do café. Hora do primeiro sol arrombar a vidraça. Os olhos, entretanto, nada veem. Mas eles sabem que o sol é amarelo num céu azulado. Ficção.

flor de vento
Enviado por flor de vento em 10/07/2016
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