A ventania

Ventou. Inoportunamente. Forte. Tão de repente que foi um susto. Por Deus que foi, inclusive para o próprio vento. Era domingo. Domingo de manhã, consagrado por sua tépida bonança. A gurizada já descalça brigava no quintal. Esses meninos. A mãe preparava o café. Os avós, que dormiram em má posição, espreguiçavam-se em cadeiras de balanço. Ah, a idade. Ninguém escapa. E nem mesmo o domingo poupa, dócil que é, das diversas dores os que muito viveram. Paciência. Dos tais são os sorrisos dos netos. Bem-aventurados.

Então. Quanto ao vento. Ouviu-se um rumor, dir-se-ia que por detrás do morro vinha, como o de uma grossa chuva. Eram as máquinas da lavoura, pensaram os grandes. Ou, ainda, o barulho dos inúmeros aviários da vila. E fizeram, assim, descaso total . Os rebentos, por ora, nada pensaram. Incautos que eram, aperceberam-se apenas quando o primeiro boné voou, e a bola, levada pelo ar impetuoso, furou na cerca do vizinho. Não deu tempo para correr. Infelizmente.

Gritos. Na área o coque da avó é desfeito. Some o cigarro do velho que tosse.Xícaras se estilhaçam na cozinha. Cortinas são rasgadas. Galinhas e galos cacarejam em desespero. Árvores deitam. E a vovó com uma mão no cabelo e a outra na boca perplexa corre fechar as janelas. Em vão. A rajada já passou. Mas os olhos de catarata da idosa, do lado de cá do vidro, ainda veem o rabo do vento dobrar a esquina. É vermelho. E carrega as pétalas de uma roseira. A roseira dela.

flor de vento
Enviado por flor de vento em 09/06/2016
Reeditado em 09/06/2016
Código do texto: T5661784
Classificação de conteúdo: seguro