Almoço em família

Almoço em família é um dilema. E naquele dia não deixou de ser. Ir ou ficar? A menina já grande só soube que não existia escolha, pelo menos para ela, quando já se viu lá. Na casa da tia, disseram. Mas que tia? Nunca vira semelhante mulher. Robusta de tronco; de voz estridente até ao limiar da dor, e azeda. Azeda e simpática, o que era uma junção deveras estranha. Mas não mais do que a cara dela. E tudo isso, em conjunto com a antipatia já resignada da moça, puseram nesta um repúdio e nojo tão extremado que mal pode conter-se. Sentou, então, num canto da área. Só.

A mãe chamou. A mãe sempre chama e ela odeia a voz da mãe. Odeia a sua, também, que julga sair das mesmas cordas vocais. Mas isso não importa. Não agora. "Vem conversar com a sua prima, filha. Olha que legal, vocês têm praticamente a mesma idade. Sabia que ..." A filha já não escuta." Droga!! e droga de novo!!" fala muda para si "Pois se nenhum minuto tenho de paz. Ah, e deve ser a coisa mais interessante do mundo ter uma prima da sua idade. Merda!" E nisso percebe que a mãe grita. Todo mundo grita. As pessoas são insuportáveis, por Deus que são. Está com dor de cabeça.

Passa o almoço. Passa a tarde. Passa a vida. Menos a dor no crânio. Ou no cérebro. Ou, ainda, mais precisamente, na cabeça. E é inegável que esse mal só se origina mediante a tepidez humana, as conversas exacerbadamente entediantes, o estar com conhecidos desconhecidos. E a dor, apesar de ser dor, a salva das pessoas. As pessoas doem mais, isso é certo. Deita, então, no sofá da sala até voltar para casa. Para casa? Qualquer lugar que seja. Longe de gente, entretanto.

flor de vento
Enviado por flor de vento em 16/05/2016
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