A súbita velhice de um jovem

Naquela manhã, ele, o jovem, acordou envelhecido. A princípio, como nutria o hábito de ruminar a agenda na cabeça antes de por-se em pé, não se deu pela mudança. O que mesmo faria? Ah, sem a menor dúvida que primeiro daria cabo daquele trabalho pendente... e depois iria à escola, e ao curso de inglês, e... meu Deus! Pois se para hoje mesmo marcara o professor prova de estatística! 'Raios me partam!'-disse. 'Pois se não sei nada e ainda procrastino estando atrasado!' E nisso tenta, sobressaltado, pular da cama. Tenta.

A fraqueza, pela primeira vez, é mais forte que a sua força. E não, não dói nada. Absolutamente nada. O maior, se é que há, e único incômodo é o peso. Do seu corpo. Do mundo. Mas como? Não era a vida mais leve do que a pena de um pássaro, do que a mão de uma criança? E o seu corpo de moço magro, rijo, hercúleo, porventura não era e não é o mesmo de agora, flácido, quebradiço, atrofiado? O jovem não o vê,mas o sente. E por senti-lo ele sabe que nunca mais aquela ossada levantar-se-á do leito. Não nessa vida. Mas por quê?

O escuro detrás dos olhos é mais negro do que o preto da noite, disso ele tem certeza. Entretanto a alma, esta que deveria estar farta de dias está falta. Quer mais! Ou nem mais. Só quer, já que nem conheceu um pouco do muito para pedir mais. E ambiciona com tamanha ânsia que, caso dispusesse agora de qualquer capacidade física como coadjuvante, de certo que lançar-se-ia com tudo dentro da vida, do universo, do sangue que ferve. Mas ela sem o corpo não vai. E o corpo que não foi já não pode ir. Então ele, o corpo, com ela silencia. Ou dorme até algum dia.

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Sobre a morte:

Sempre pensei que a morte arrancasse um grito, mas ela, ao corroer de repente o velho jovem, mostrou-me que, de fato, só arranca um silêncio. Um silêncio perplexo.

flor de vento
Enviado por flor de vento em 30/04/2016
Reeditado em 30/04/2016
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