A PONTE

Uma história simples

Para chegar ao colégio, quando criança, precisávamos atravessar uma ponte de madeira estreita, meio mal feita (serviço do governo), era uma ponte longa, o riacho não, mas colocar uma travessia assim dava prestígio ao povo que morava de lá ou de cá da cidade.

E todo dia de aula, íamos nós pulando para o outro lado, olhando o riacho embaixo, com nossas sacolas de livros nas costas e nada na cabeça, prontas para serem preenchidas e esvaziadas: umas e outras.

Havia esse costume de todos atravessarmos juntos, a meninada completa do lado de cá que lá estudava, parecia sermos mais fortes ou mais sabidos, pelo menos foi o que me disseram na primeira vez:

“ Olha, você é o mais novo e então aprende, se chegar aqui mais cedo, espera, não atravessa de jeito nenhum, é ordem dos mais velhos !”

Menino quieto e contido, mais pela idade e muito pelo tamanho, nem discuti: - Então tá ! - E sempre aguardei a turma !

Na escola propriamente dita era cada um por si - se aprendesse, tudo bem, se não, tudo bem também ... A vida seguia, ninguém se importava e na volta vínhamos todos juntos de novo, isso continuou por todo o tempo em que moramos naquelas bandas.

Só aconteceu uma vez de um dos moleques atravessar sozinho.

Quando nos reunimos para a contagem faltava um: Osório – Cadê ? – não vem hoje ? e agora ? Eram as perguntas solidárias (temerosas) do grupo.

Correram na casa dele e sua mãe disse que já tinha saído, quando pensa que não, vimos Osório voltando na ponte, apressado, correndo pra ser mais sincero, esticado mesmo, parecia um vento...

- Alguém me ajuda ! – Pedia ele enquanto entrava voando do nosso lado.

Nunca tinha visto esse menino com esse desvario todo, ele já nem era menino-menino mesmo, estava mais pra rapazinho, com penugem no beiço e tudo.

- Osório do céu, o que aconteceu ? – Conta moleque ! – Para de drama ! Eram as invectivas de curiosidade sobre nosso assustado colega.

E ele contou.

Primeiro pediu segredo, depois pediu de novo, nós juramos, ele não queria ser visto de maneira esquisita pelo povo, - Foi assim... :

- Cheguei aqui e não tinha ninguém, esperei um pouco, fiquei preocupado porque tinha prova, olhei no relógio e preocupei mesmo, então corri pra ponte e atravessei - sozinho!

Um suspiro quase automático se ouviu, todos nós não pensávamos em nada.

- Quando cheguei do outro lado – Osório falava - peguei a estradinha da escola e corri o mais que pude, corri e corri, mas a escola não chegava, nada chegava, sabe ? Nem a escola e nem a cidade ( a escola ficava um pouco depois da cidade, eu não falei antes, desculpem.)

- Como assim não chegava, Osório ? Você pegou o caminho errado, claro – Foi o argumento geral, mas ele não se convencia.

- Peguei nada, o mesmo caminho, só que não tinha cidade, então voltei mais rápido ainda com medo da ponte ter sumido também, da minha casa, minha mãe, tudo ter sumido e vi vocês aqui - graças a Deus ( não posso garantir, mas lembro de lágrimas, tremores e todos nós muito juntos um do outro).

Osório tinha atravessado a ponte sozinho e não tinha encontrado nada do outro lado, era essa a história dele.

Resolvemos ir embora porque tinha prova mesmo, para todos nós, atravessamos juntos e chegamos na escola sem problema, Osório ia comentando o trajeto: “eu passei aqui, tá vendo?” , “ e aqui também”, “ mas não tinha nada”...

Aquilo ficou como uma brincadeira, ninguém levou muito a sério e passados alguns dias, quase estava esquecido - é claro que contamos para os nossos pais: segredo de criança não inclui pais, óbvio !

Eles riram meio sem graça e mudaram de assunto, acho que não sabiam explicar aquilo, só comentaram que isso só acontece com criança e jovenzinho que ainda está escolhendo seu rumo na vida, alguns encontram mais cedo outros mais tarde, depois não tem problema atravessar a ponte sozinho ( não entendemos nada na hora).

É quase certo que em toda cidade tenha uma ponte dessas, talvez diferente, mas que só pode ser atravessada em grupo, não sei, parece que existem muitos lugares que precisam ser conectados.

Osório ainda continua morando lá e nunca mais atravessou a ponte sozinho, sempre espera alguém ou vai pelo riacho mesmo... Ele parece meio perdido o tempo todo, só aprendeu a ter medo !