Caçador de utopias (março de 2016)

Ora, afinal, o que é o amor? Quem teria sonhado que um dia estaria eu aqui, sentado na praça ao meio-dia, à espera de alguém que nunca vi, com cara de quem comeu bolo de terra, destes que as crianças fazem na praia aqui em frente, e que não gostou? Minha boca está amarga, sinto que o bolo de terra desceu à força pela boca, e não gostei.

Falando das coisas que não gostei, posso deixar para o leitor a impressão de que sou um sujeito difícil, de poucos amigos. Não é nada disso. Sou cordato e afável. E não posso reclamar de amigos, pois os tenho aos montes, em todas as esquinas do bairro, como bom comerciante que sou. Sim, mas sobre isso falo mais adiante.

O estorvo de estar aqui, debaixo de sol quente, com o sonho de um amor de quimera (mas todos os amores não são de quimera?), atravessa meu ser e revela o ridículo a que fui conduzido por falta de juízo. Não sou um cara carente, entenda-me como eu mesmo me entendo agora, eu não consegui escapar ao apelo espontaneamente sedutor dela.

O começo da história: ah, era começo de madrugada em uma terça-feira quando entrei na sala de bate-papo para solteiros. Eu com o apelido Bruno, e Verônica como Dama Aborrecida. Logo nos tocamos na tela do computador: fomos primeiro para a sala privada e depois trocamos e-mails para conversar no sistema de mensagem instantânea.

Aquela noite trocamos mensagens até as três horas da manhã. No outro dia não nos falamos porque Verônica estaria recebendo visitas e não estaria disponível. Eu não sentia falta dela no começo do nosso relacionamento virtual. Na noite seguinte pediu-me desculpas e aceitei, afinal senti sua falta naquele momento mas ainda não amava.

Tenho um negócio pequeno no bairro, uma malharia que vende roupas masculinas que vêm do sul e de São Paulo. Acordo cedo, não importando a hora que fui para a cama na noite anterior: suporto bem o dia sem necessidade das oito horas de sono que são sagradas para a maioria dos seres humanos e passo minhas noites na Internet.

Tenho cinquenta e dois anos, idade em que a maioria dos homens que conheço nas redondezas já enterrou a sete palmos fundos a possibilidade de descobrir um novo amor. Mas eu sempre fugi a comparações, pois acredito que há muito mais para um homem vivido como eu do que os outros possam querer acreditar.

Tenho uma vida estável hoje e posso pensar em viajar com o meu bem. Posso pensar até em morarmos juntos, mas hoje isso seria precipitar-se. Nesta manhã, tenho o primeiro encontro com o meu benzinho, e não compreendo o porquê de estar largado há três horas debaixo do sol a pino, em um banco de praça, tendo na mão uma rosa branca.

Como começamos nós dois, isto eu já falei. Falta acrescentar os miúdos nessa panela de ferro em brasa em que por dias, semanas e meses mantive viva a esperança de que o amor que sentia era o mesmo que ela sentia. É verdade que Verônica apresentava subterfúgios às vezes, parecia pouco interessada em um encontro, mas não enxerguei.

E nós nos olhamos nos olhos enfim, quando no cume de meu sofrimento perdi o pudor e pude sugerir que nos víssemos na webcam. Isto ocorreu depois de terminado um mês do dia de abril em que pela primeira vez nos falamos. A visão de meu pequeno amor (já àquela época começava a desabrochar uma flor em meu coração), era pura satisfação.

Quando fizemos dois meses de assíduos amigos internautas, já trocávamos palavras que usam os jovens namorados. Demorou bastante para que Verônica cedesse. Afinal, como queria fazer-me compreender, ela realmente era a Dama Aborrecida. Era benzinho para cá, benzinho para lá. De Verônica, ouvia sempre um tímido mas delicioso Jorginho.

Esqueci-me de dizer que me chamo Jorge Dalla. Nunca me casei nem tive filhos. Namoradas tinha muitas, mas todas me deixavam para trás porque procurei manter meus negócios no comércio sempre acima de qualquer envolvimento pessoal. Com isso perdi muita gente de valor e sofri muito, mas não pude fazer diferente.

Durante todo o nosso relacionamento de três meses de computador – o que me trouxe aqui, a essa praça, – Verônica desaparecia por um ou dois dias, mas pedia desculpas ao final. Recebia com regularidade parentes em casa e, como as visitas dormiam no quarto do computador, não era possível que “namoricássemos” pela Internet.

Seguindo as últimas conversas nossas, no terceiro mês conversávamos com todo o respeito (vale a pena dizer que nos víamos, mas não éramos adeptos do sexo virtual), e foi a esta altura que dei o meu o meu ultimato a Verônica: tínhamos de nos encontrar. Tínhamos de nos conhecer. Superei heroicamente meu pudor para poder propor-lhe isto.

Agora amava. Tudo para o meu amor. Nada para os vícios de outros relacionamentos, que todos aliás temos, mas é passar uma borracha sobre tudo e descobrir-se virgem para iniciar uma caminhada com uma nova companhia, pessoa talvez imperfeita mas de alma pura, perfumada como o cheiro perfumado do incenso de flor de laranjeira. Imaginei eu.

Eu amava Verônica e não atinava para suas reticências, seu mundo que a desvelava apenas parcialmente para mim, mas também nunca lhe dei chance de agir de outra forma antes de tentar convencê-la de que eu amava o benzinho. Não sei que impacto o fato de chamá-la de benzinho provocou mais tarde nessa mulher. E foi no terceiro mês.

Não sei se para não me ofender, nunca se esquivou ao grito que vinha às minhas mãos, direto sobre o teclado do computador: benzinho... Benzinho e Jorginho combinados de encontrarem-se na praça da praia, onde as pessoas fazem exercícios às nove horas da manhã. Mas a hora é perdida, a flor murchada, e a certeza de conhecer a vida afundou.

Levanto-me e compro o jornal. Sigo pela rua deixando para trás o banco de ferro sem a ilusão de conhecer um bem, seja lá quem. Subitamente me invade a constatação de conhecer pouco a Mulher. Eu fui traído por certezas apoiadas tanto em julgamentos equivocados quanto na mais ingênua superficialidade. Contudo, não quis enxergar.