A panela

A panela está entorpecida sobre uma prateleira no canto da casa. Desde que Antônio, seu marido, faleceu, a avó nunca mais tocou naquele artigo. Nem para limpar, diria. A princípio porque, devido ao tamanho e ao peso gigantesco do ferro, seus dóceis e magricelos braços nunca conseguiram erguer o utensílio. E quem o manuseava era o Tôni, homem alto e, embora nada robusto, fazia uso de uma força de touro. Bem, depois, porque precisamente naquele lugar pusera ele a panela antes de partir, e, como uma espécie de promessa, a viúva não arredaria a panela posta lá antes dela viajar também. Nem depois. Mas os filhos com certeza.

Os filhos, dizia, certamente dariam o cabível desfecho. Ou nem tão cabível assim; já que a panela para eles era só uma panela. Mas para a vovó não. Bem lembrava ela que aquele quase tacho alimentara metade do mundo a feijão. Recebera dos pais como única peça do enxoval. E estes, por sua vez, receberam dos dos seus pais também, e esses outros pais dos pais até a quarta geração. Não se sabe se por linhagem paterna ou materna. Mas isso nem é importante saber. Sabe-se apenas que ultrapassou várias décadas pela sua utilidade. Pronto.

Mas e agora? Que fim levará a cansada vasilha? Cansada não. Está inteira como se recém chegasse ao mundo. A velha vasilha. Mas não velha de idade, velha é de significado. Então. Os filhos, ou os netos, ou qualquer estranho a tomaria com maus modos e simularia cara de nojo. Depois, em uma reunião familiar qualquer, todos chegariam a uma unânime conclusão. Ou doariam para um museu, talvez para a reciclagem, ou, ainda, por que não vender para o ferro velho? Mas ela nunca seria velha. Não para o coração da avó, mesmo longe.

flor de vento
Enviado por flor de vento em 25/04/2016
Reeditado em 26/04/2016
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