ARMANDO

 




Quando estava de folga e livre, Armando ficava no Armazém do Gessi tomando pinga e conversando com os homens que passavam por ali. Mas não eram tão habitués quanto ele. Ficavam ao seu redor para ouvir seus causos e potocas, como diziam. A vila era pequena, ali ele era um atrativo, uma garantia de diversão. E ele era divertido! Era alto e gordo. Mais barrigudo que gordo. Ainda não completara 40 anos. Casado com D. Eva, tinha um casal de filhos, de quem ele gostava muito. Andava sem camisas, expondo seu corpo liso e branquelo, antecipado pela barriga para lá de saliente. Naquela dia brincava com a meninada, que o adorava e a que Armando gostava muito de divertir. Brincava de equilibrar coisas na pança, na curva entre a barrigona e o peito: sacos de sal, mortadelas, enxadas, martelos e tudo que a molecada desse na ideia, ou que o Gessi vendesse e emprestasse. Um dos meninos até propôs que carregasse ele próprio naquele lugar. Armando tentou, mas não teve jeito. Em certo momento ele estava com uma garrafa de cerveja equilibrada na barriga enquanto bebia cerveja num copo sem usar as mãos. E andava em zig-zag... Foi quando chegou o Tião Carrapato. Todo mundo parou de rir e falar, até as crianças sabiam o que isso significava. Armando depositou a garrafa no balcão do Armazém, e foi para um canto para ter uma conversa reservada com o Carrapato.
_ Armando, o Seu Chico chegou de Goiânia e quer conversar com você.
_ Tudo bem, já vou indo. Só vou acertar a conta com o Gessi e vou...
_ Não, vai agora! É urgente. Eu mesmo boto na conta do Cel. Francisco. Pode ir.
Armando vestiu a camisa e atravessou a praça até o casarão de Francisco das Chagas. Vereador, representante do distrito na sede do município, dono do cartório e de uma loja de tecidos e roupas, e com muitas fazendas na região, bem como no antigo norte de Goiás, hoje Tocantins.
_ Entra Armando! Só na cachaça e na farra, né?
_ A gente faz o que pode, né padrinho?
Francisco das Chagas era seu padrinho de casamento e eram compadres pelo apadrinhamento de dois filhos de Armando.
_Como vão a Eva e os meninos?
_Estão daquele jeito padrinho. No aperto de sempre!
_Fala para o Tião o que está apertando e ele vai desapertar para eles. Está bom?
_Melhor não tem jeito. Mas onde é o negócio agora?
_É lá no Rio Andorinhas, não muito longe de Araguaína, naquela fazenda onde você já esteve.
_Sei sim...
_É um fazendeiro lá de Anápolis. Está criando encrenca por causa de uns metros de cercas. Até inventou uns papéis lá no IDAGO, porque é apadrinhado por um deputado estadual da ARENA lá de Goiânia. Tudo maracutaia! Mas eu também tenho costas quentes com o nosso deputado, tanto em Goiânia  como Brasília, como você bem sabe...
_Qual é o nome dele?
_O Tião tá ajeitando tudo, ele vai dar mais detalhes. Hoje de tarde você pega um ônibus para Ceres, e de lá você segue pro norte. Para despistar e estudar a coisa você vai ficar uns dias em Colmeia. Lá o Antônio, meu sobrinho, vai te dizer o resto do arranjo. Por causa da nossa diferença, ele anda por lá em uma C-10 amarela. É fácil de achar. Depois do negócio feito, vão, de um jeito ou de outro, te levar lá para Barreiras na Bahia. Onde você vai ficar em uma pensão. Só até esfriar. Por uns tempos, depois você volta para cá.
_E os fogos? 
_Essa parte o Tião tá cuidando. Eles não vão com você, um positivo meu vai te entregar lá em Colmeia. É o João Pacu, o motorista da minha carreta de transportar gado. Pode ficar tranquilo. Agora vai para casa se preparar e se despedir da Eva  e dos meninos. O ônibus sai em duas horas. Janta primeiro, já mandei a Eva preparar. E pode ficar tranquilo, eu garanto o deles aqui. Dá um abraço na comadre por mim. Boa viagem e bom trabalho!
Se despediram com um cumprimento de mão e com um abraço companheiro. Francisco da Chagas sempre se preocupava com os seus. Até mataria por eles. Ou mandava matar... Dois meses depois Armando voltou, abraçou Eva e as crianças. No mesmo dia foi até a praça da vila exibir sua barrigona. O que ele não sabia é que algo tinha mudado na política de Goiás. Poucas semanas depois foi preso. Um ano depois foi solto, por insuficiência de provas e por causa de umas mexidas de palitos. Nesse entretempo Seu Francisco cuidou de D. Eva e de suas crianças.