PLUTÃO NEGRO - O POETA DAS MULTIDÕES

Houve um tempo em que o poeta era visto e tratado como artista sublime.

Músicos, pintores e escultores eram respeitados, procurados, contratados por grandes fortunas, mas nunca tiveram a mesma recepção, entre a gente simples do povo.

Os poetas eram boêmios, notívagos, despojados, rebeldes e hedonistas, e por todos esses motivos, eram bem vindos a qualquer lugar, bem vistos pelos humildes, contavam com a amizade de bêbados, prostitutas, ladrões e vigaristas, mas também tinham acesso ao ambiente acadêmico, desfrutando da companhia de afamados artistas, seus contemporâneos.

Atualmente, e de umas décadas para cá, há “poetas” saindo pelo ladrão.

Chamar o indivíduo de poeta, costuma ter um tom pejorativo, indicando vagabundagem.

Isso se deve ao achatamento cultural em que vivemos, mas também à banalização e descrédito de tudo que pode ser considerado culto. O indivíduo culto é visto como arrogante, pretensioso, afetado, tachado de burguês, reacionário e não é aceito em qualquer ambiente.

Hoje o que faz sucesso é o poeta popular, o riscador de versos da patota, do grupo.

Basta o elemento escrever umas linhas toscas em qualquer mídia social ou num portal da net, dizendo alguma baboseira, não se importando com o nexo do texto, e pronto. Não é preciso conhecer regras gramaticais, não se faz necessário saber escrever corretamente as palavras nem conhecer muitas delas. Concordância, ortografia, desenvolvimento, temática, são idiotices, conforme me relatou Plutão Negro, um viandante sem teto, que se dizia trovador.

- Você compõe e declama trovas?

- Homi! Pra falá a verdade, nem sei o que é isso. Faço poesia, sacou?

- E por que se intitula trovador?

- Porque me disseram que é como se chamava os poeta nas antiga. Tá sabendo?

- Posso ouvir uma poesia de sua autoria?

- Num sei quem é essa auria aí, mas se quiser ouvir o que faço, abre os ouvido.

- As mina gosta de frô. As frô gosta de calô. O calô veio quando o sór raiô.

- Eu e a mina no durmidô. A gente acordô, ela me beijou e nóis coisô. Sacou?

É claro que eu saquei, como qualquer um sacaria o que ele narrou. Ao meu lado, ali na rua, também o ouviam mais sete pessoas, e todas o aplaudiram, deram dinheiro, elogiaram seu trabalho, e um dos presentes comentou que há tempos não ouvia algo tão autêntico.

Resolvi fazer uma experiência e inscrevi a obra de Plutão num concurso literário, pondo um perfil que se parecesse com o que vi dele. Ao mesmo tempo, pincei um trecho poético de uma obra de Castro Alves e fiz nova inscrição, tomando o cuidado de usar um nome falso, para ver se os juízes reconheceriam o trabalho do insigne poeta e que atitude tomariam.

Eis o trecho pinçado da poesia O GONDOLEIRO DO AMOR:

Teus olhos são negros, negros como as noites sem luar...

São ardentes, são profundos, como o negrume do mar;

Sobre o barco dos amores, da vida boiando à flor,

Douram teus olhos a fronte do Gondoleiro do amor.

Tua voz é a cavatina, dos palácios de Sorrento,

Quando a praia beija a vaga, quando a vaga beija o vento.

Castro Alves foi desclassificado, porque os juízes consideraram a poesia sem sentido, encontraram nela (mas não indicaram) vários erros de ortografia e rima muito pobre.

O grande ganhador do concurso foi Plutão Negro, que ficou surpreso quando lhe contei sobre a inscrição que fiz em seu nome. Foi ovacionado, declamou várias vezes seu elogiado poema, posou para fotos, saiu em revistas e torrou todo o prêmio em cachaça, no mesmo dia.

Uns dias depois, passei por ele, que fazia ponto num banco de praça, vendendo cestos e bijuterias, e aproveitei para perguntar sobre o concurso. Ele já não se lembrava mais de mim ou do prêmio recebido. A bem da verdade, não se lembrava nem do poema que havia feito.

Comentei que ele vencera até um poema de Castro Alves, e ele assim retrucou:

- Ele perdeu é? Diz prele num ficá triste não, doutô! A vida é ansim mêmo. Um dia nóis vai, nôtro nóis fica, e todo mundo se trumbica. Traz o malandro aqui, que a gente reparte umas manguaça e ele vai ficá inspirado na hora. É capaz até de ficá famoso.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 17/01/2016
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