ELE VEIO, MESMO, ATÉ NÓS

Dormi tarde, pensando em ficar mais tempo na cama, durante a manhã, mas o sol desponta e desperto, olhos arregalados. Por que a falta de sono?

Nenhum barulho, tudo tranqüilo e silente. Melhor levantar, lavar o rosto, fazer o cocozinho matinal, escovar os dentes e espiar para ver como vai ser o dia.

Quem sabe um bom banho? É bom o aconchego da água morna no corpo e esfregar a toalha na pele com vontade. Vejo o jornal da manhã, encarando o desjejum, mas estou sem fome. Vou sair e caminhar, para apaziguar a neura.

Lugar simples, areia no chão, quase nenhuma viv’alma à vista, casinhas modestas e amplidão enorme. O silêncio só é quebrado por marteladas adiante, latidos, vozes distantes e a marulhada gostosa, que vem da orla. Dizem não haver quietude nas vizinhanças do mar, mas tenho o marulho como um silêncio sonoro, que embala o sono, aquieta a alma e incentiva o dia.

Ainda assim, a mente segue mais vazia que carteira de proletário.

Será sintoma de mal que se aproxima? Ou bem que se afasta?

Os barcos estão todos escorados na areia, e nenhum pescador à vista. A vila está mais vazia que de costume, sem crianças nas ruelas, sem roupas nos varais, e sem comadres tagarelando, com seus baldes e bacias a tiracolo.

Pergunto ao vendeiro por que não há o movimento habitual.

- Não sei. Parece que a vila inteira acordou sem ganas. Inclusive eu!

- Será alguma epidemia ou virose?

- Creio que não. Aqueles com quem conversei sentem o mesmo que eu. Sossego de corpo, misturado com rebuliço de idéias, que faz com que fiquemos pensando na vida, em tudo que vivemos, a refletir e refletir, sem parar.

Despeço-me com imenso ponto de interrogação na mente.

No caminho de volta percebo que é exatamente como me sinto, inclusive inclinado a refletir sobre o passado. O que significa tudo isso?

Enquanto divago, já estou sentado na praia, olhando o mar e deixando a mente correr solta. Sinto paz envolvente e arrebatadora tomando conta de meus sentidos. Estou enlevado e nem sei o motivo! Aos poucos chegam outras pessoas. Cumprimentam com o olhar, sentam ou deitam na areia, expressão tranqüila, relaxada. Alguns são conhecidos, do vilarejo, mas há estranhos, de outros cantos, talvez atraídos pela zonzeira, que parece confundir e confortar, ao mesmo tempo.

Tento reagir à pasmaceira e volto, aos trancos e barrancos, para casa.

Luto para não permanecer em beatitude, porque quero saber o que ocorre. A internet não funciona! Na tv, os canais só exibem reportagens de campo, mostrando cenas semelhantes às da praia, em vários lugares do mundo, mas são imagens confusas, com os repórteres absortos e desfocados da transmissão, como se sentissem o mesmo que os demais. Sem chamadas internas, comerciais, narração. Parece um happening de dimensão global, sem razão lógica.

Repentinamente, um zunido no ouvido e percebo variação da luminosidade, lá fora. Ao chegar à rua, vejo nuvens em movimento acelerado, vindo da direção do mar. Volto à praia e me deparo com cenário surpreendente. Além de centenas de pessoas, há cães, gatos, gambás e outros bichos, igualmente aquietados e absortos, na contemplação do evento celeste. As nuvens se avolumam e tomam a abóbada, escurecendo o dia, mas ninguém arreda pé.

Luzes coloridas e intensas surgem, inundando o ambiente de matizes vários. São jatos fortes que, estranhamente, não ferem a vista e provocam sorrisos e aplausos dos presentes.

Faço esforço hercúleo para manter visão crítica, mas é grande a emoção que invade o íntimo. Ninguém se pronuncia, e todos apenas quedam atônitos com a majestosa visão, quando as luzes se aproximam. São muitas, de várias formas, cores e tamanhos. Descrevem evoluções acrobáticas em volta dos espectadores, e, após pequeno susto inicial, todos sorriem e se divertem. Esvoaçam por entre os espectadores, quase raspando o solo, e seguem para bem alto.

As densas nuvens se movimentam, ou melhor, se desfazem, lentamente, descortinando algo indescritível. É gigantesco, deslumbrante, e ... suave!

As luzes voltam, acompanhadas de outras, maiores. Parecem veículos, que pairam sobre as águas, e os ocupantes aparecem, por várias aberturas, fazendo gestos de saudação, respondidos pelas pessoas, com sorrisos. No alto, paira aquela coisa gigantesca, maravilhosa, fantástica. Como outro mundo flutuando acima deste, diferenciado em forma e substância. As luzes esvoaçantes param, os ocupantes dos veículos desembarcam, põem as mãos sobre o peito, inclinam a cabeça (como uma reverência), e nesse gesto são acompanhados pela multidão. Um turbilhão luminoso jorra da enorme plataforma celeste, iluminando tudo em volta, até o horizonte, qual luar intenso, pejado de variações violáceas. Durante um tempo que não consigo medir, todos se extasiam com a luz, que permeia todo o ambiente, e quando os olhos se acomodam ao brilho, algo mais surge.

Aproxima-se, deslizando pela luz, suavemente. É a figura de um homem.

Sei quem é! Sinto quem é! Todos sentem o mesmo!

Com os olhos fechados, continuo vendo-o, perfeitamente!

É como se entrasse por todos os poros de minha pele e invadisse a alma.

Hesito, ante a magnitude da sensação que me invade, porém uma voz comanda: - Observe atentamente, para relatar os fatos à posteridade.

Argumento que não consigo me concentrar, sem saber a quem me dirijo e, prontamente, me sinto revigorado. Consigo captar tudo em volta, e percebo que todos estão tomados pela força que emana dele, que se utiliza da luz como se fosse a coisa mais simples do mundo. Sinto, não sei como, que ocorre diálogo particular, no íntimo de cada um, com o personagem singular, que é homem, para que o percebamos, mas também algo que não alcançamos entender. Vislumbro, com clareza, os ocupantes dos veículos, que nos saúdam, e sei que são personagens do passado, mesmo sem referencial formal para identificá-los. São atores do concerto histórico mundial, como líderes e ícones religiosos, todos prostrados em reverência ao que comanda a maior e mais profunda interação já havida no mundo, e que transcende o entendimento de nossa pequenez racional.

Vejo o que acontece, mas não entendo o propósito da situação, e como se a resposta não pudesse esperar, sinto-me novamente tomado por sensação extasiante . . . e me entrego. Ele fala comigo! Ele me conhece!

Quanta alegria e prazer irradia! Como me envolve!

Deposita algo em meu âmago, e embora não tenha certeza do que se trata, reconheço como coisa e fato familiares. Sinto-me, inexplicavelmente, saciado.

Logo Ele se afasta, vagarosamente. Ainda à distância identifico detalhes de seu rosto, e vejo que todos permanecem focados em sua figura, como eu. Lanço olhar acurado em torno e, surpreendentemente, encontro cobras, lagartos e outros animais, postados ao lado das pessoas, magnetizados pelo evento, e nos fios ou arvores próximas, quantidade absurda de aves, como espectadoras atentas.

Quebrando o enorme silêncio, e pairando a elevada altura, Ele fala!

Sua voz é meiga e suave, mas perfeitamente audível.

Suas palavras descrevem um novo tempo, falam de novas oportunidades e pedem paz, compreensão, respeito e disposição, para mente e corpo trabalharem em conjunto. Dizem que os céus estão se abrindo para nós, mas que teremos de merecer o paraíso almejado, cuidando primeiro deste paraíso material.

Começa a se despedir, dizendo que nunca estaremos desamparados.

Diz que nos espera, até que o último de nós esteja em seus braços.

Então se afasta, até se recolher à imensa estrutura, que toma todo o céu. Os veículos que pairavam sobre a água, voltam a volitar sobre pessoas e animais, aspergindo flores (parecem flores) coloridas, que exalam perfume delicioso. As pessoas as recolhem, agindo como crianças, de tão excitadas.

Vagarosamente aquela coisa imensa se desloca, afastando-se.

Até que suma, completamente, ninguém se move.

O sol volta a brilhar, o vento mareiro volta a soprar, os presentes se retiram, da mesma forma que acontece ao fim de um espetáculo, com a diferença que todos têm no semblante a estampa de uma experiência sublimada e extasiante. Os animais se afastam, lenta e calmamente. Nenhuma pessoa, seja adulto ou criança, demonstra apreensão com a presença ou movimentação deles.

A tv, que deixei ligada, mostra cenas semelhantes em, praticamente, todo o planeta, e há menção sobre o homem da luz branca. Todos dizem conhecê-lo, atribuindo-lhe vários nomes e singularidades. Também sinto que o conheço!

Porém, que importa qual seja seu nome, ou o nome que lhe atribuam?

Que importa se pregadores e religiosos criarem dogmas a seu respeito?

Por mais que tentem se apropriar da iniciativa desse ser, não há como subtrair a chama ardente que ele projetou no imo de cada ser humano, gravando, permanentemente, esse encontro metafísico.

Não sei como a vida segue, mas algo vai mudar, como eu mudei.

Tenho urgência em aprender a amar! Isso parece ser a chave de tudo.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 19/11/2015
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