Justamente Ali?

Justamente Ali?

Justamente ali? Logo na altura do Km 18, rodovia que liga cidades de Bom sucesso e Adamantina do Sul. Por quê? Que desperdício!!! Joel estava decidido que levaria até o fim a empreitada de trazer o sentimento à fala e ação, não resistia mais conter a necessidade de acabar com aquele jogo de força quanticamente estabelecido; estavam em risco suas estruturas de homem pautado no decoro social, digno de respeito entre os seus, de confiança na fidelidade estabelecida na relação com a mulher de sua mocidade, Letícia... Ia por fim ao teatro.

Era envolvido com vários segmentos da sociedade, empresário altamente respeitado no mundo dos negócios, honrado pela amizade que mantinha com amigos que perdurou desde a infância. De uma inteligência que desafiava despertar a inveja nas mentes dos iguais que conviviam com ele, homens que apesar de ter dinheiro, até mais que Joel, não alcançavam em brilho e nitidez, a realeza impregnada do ser do rei, homem de elite do século XXI. Os invejosos, invisíveis aos olhos de Joel, tinham que conviver com o doce amargo de seus subjetivos de presenciar diariamente as habilidades ímpares do homem realizado na inteligência que herdou, da genética, e do espírito guerreiro que portava.

Ele, para extremo insucesso dele para ele, não visualizava o contexto, não via a irradiação de luz diferenciada que ofuscava os olhos daqueles que o rodeavam constantemente, tudo tão claro, entendível para a mente própria avançada, outrossim, o amor ao outro foi tamanha que cegou a visão “3D” da realidade da própria vida. Tudo que colocava nas mãos e chegava aos olhos, vinha recheado com o perfume das emoções que lhe saíam do coração. Desde menino foi intenso no que fazia, quando realizava gol no campinho próximo a sua casa, vibrava com amigos e pedia desculpas aos adversários de time, sempre ligado à generosidade, não gostava de “subir” no pedestal sozinho para receber o troféu. Confraternizava não a sua vitória, mas a conquista de um desafio superado, pelo grupo.

Mundo escolar, tato social, política de boa vizinhança com aqueles que o estranhavam e não compreendiam o melhor dele, nisso era habilidoso. Apesar de agir em algumas situações com temperamento explosivo, imediatista, nunca deixou de repensar seus posicionamentos quando na roda da vida seus adversários assim necessitavam de suas benesses. Tocava a vida como trator de esteira, perdeu pai, mãe, irmão, viveu o luto perdendo amigos que deixaram lacunas insupríveis em seu ser, isso não impediu de continuar com a mesma postura, inflexível no propósito de seguir a vida, sempre indo onde o sol se punha, como diz nosso cantor e poeta Milton Nascimento na música.

Casou com a mulher que quis, amou-a desde a infância, história que tinha que acontecer, degustou do amor a dois por longos anos, até que do prazer na cama, veio uma nova conotação, a de dois amigos amantes; não exigia dela nada que ela não pudesse dar. Filhos chegaram, sóis vieram, frustrações vividas nas esquinas da vida que somente ELES passaram, bastidores que resolveram encerrar lá no passado, recusando inclusive reviverem nem em palavras entre o casal quando no palco estavam sós em conversas secretas. Joel foi feliz no amor, se completava na cama com a esposa, nunca negou para si mesmo que teve casos extraconjugais com outras, mas o perfume, o toque inocente da esposa, aquele acarinhar que somente ela realizava. Com os olhos massageava seu corpo inteiro, em prazer, segurança de que aquele homem era seu.

O que mais cativava em Joel, nutrindo o amor que tinha pela esposa era a admiração que tinha pela inteligência dela, a discrição silenciosa misturada com a enfeitiçada indiferença de subentender nos olhos que tinha ciência das aventuras do marido, mas nada importava para ela, externava uma segurança da paz inabalável do espírito que a constituía, nada destoava na frequência subjetiva que adquiriu pelas experiências que a vida lhe propôs.

Joel naquele carro, na manhã ensolarada pegou a estrada rumo à cidade onde morava, tinha participado de uma reunião de negócios do ramo agropecuário, gostava de ouvir músicas enquanto dirigia, pôs o CD do seu cantor preferido, Maurício Manieri; passou a fazer um retrospecto de sua vida, há dias que martelava em sua mente a necessidade de fazer uma repaginada, rever alguns projetos que não estavam em andamento, com quarenta e cinco anos via a necessidade de atender uma voz interior que começou sinalizar impaciência, aquela que vem da Alma; escrava dos sentidos do corpo, pesada e sobrecarregada em responsabilidades que não lhe pertenciam.

Quando nasceu, pensou... chegara aqui disposto em ser, fazer, conhecer, e conviver, cujo fim seria polir-se cada ver mais rumo à evolução, ao caminho de ida do espírito; e não foi assim a realidade, com quarenta e cinco anos de corpo físico, foi, fez, conheceu, e conviveu, para outros. Quando se realizava na cama ou nos momentos agradáveis de fala, que pode se dizer que “caberiam em uma mão”, logo estava esquecido e enfraquecido; as satisfações por afazeres que em nada ofereciam em bem estar subjetivo, paz, bem aventurança.

Sua vida foi passada como um filme naquela viagem; pensou __ retornarei, começarei com coragem desfazendo as malas mais antigas, aquelas que não uso há muito tempo, apetrechos insignificantes que ficam no armário dos fundos do cômodo de minha casa, lembranças que vêm sempre que bate a saudade daqueles que foram únicos em minha caminhada, não acionarei mais as gavetas que apesar de acenderem somente a luz da alegria de reviver momentos do passado em que fui feliz, logo é apagada porque a realidade é este futuro de poucos amigos, aquele sorriso intestino foi deixado lá, preciso resgatá-lo.

Continuou seu pensar, depois verei o que faço com o que vejo de mim, não consigo encarar eu mesmo por mais de um minuto, desde que perdi meu pai perdi a referência do que é belo, em mim, era ele que sinalizava o que sou; no final do dia ia até a casa nossa somente para ouvi-lo dizer:__Oi meu filho, viu o coríntians passou para a segunda divisão, nosso querido São Paulo, como sempre imbatível; ou __ Esse governo!! o Brasil mantém o mesmo. Somente isso bastava para me enxergar, minha identidade era definida tão somente com sua presença.

Refletia... Foi difícil assumir para mim mesmo que desde a morte de papai o vazio é o pano de fundo de minha personalidade (mal sabia ele que a luz que irradia de si desde o nascimento causa inveja em muitos). Aumentou a velocidade do carro, a tal ponto que sentiu como que suspenso no ar, não percebia mais movimentos internos nem externos, a paisagem começou a ficar confusa, tudo se tornou mais lento, o ritmo da música e a voz do cantor ficou de um mudo estático aos ouvidos de Joel, o pé no acelerador foi intensificado imperceptivelmente.

Ainda manifestou alguns movimentos semicirculares com a cabeça com a expressão de quem dirigia defensivamente, coçou a ponta do nariz, costume que tinha desde menino, da velocidade não controlou mais, até que na curva, logo ali no km 18, com o carro em descontrole colidiu com a rocha; fazia aquele percurso há mais de vinte anos desde que mudou para Adamantina do Sul; foi desta justamente quando resolveu Ser.

Poderia ter sido o que foi, contudo perdeu a oportunidade de sair daqui consciente do que era, homem íntegro, pleno em natureza, tinha todos os recursos necessários para exercer o trabalho que realizou desde que nasceu. O “kit” era completo para aquela que teve a sorte de ser chamada por ele de “minha esposa”. Letícia, com a notícia do falecimento do marido não chorou, manteve-se senhora de suas emoções, a maturidade emocional a levou a “engolir o choro” e dar amparo aos filhos no momento delicado. A satisfação de ter sido mulher realizada no amor em todas as esferas do relacionamento a levou a derramar copiosamente as lágrimas em desespero somente no final do dia, depois do enterro de Joel, quando foi para o quarto de dormir do casal.

Joel passou por aqui sem deixar rastro para si do homem espetacular que foi, deixou seu espaço que demorará a ser preenchido por outro no seio social em par de igualdades na inteligência, carisma, beleza, masculinidade e força, faltarão inimigos e amigos com este perfil para apimentar as relações, enriquecer e aquecer o embate, embelezar e dignificar ainda mais o jogo da vida.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 20/09/2015
Reeditado em 29/09/2015
Código do texto: T5389071
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