O LIVREIRO

Era a década de cinquenta, e Amanda Lopes tinha acabado de completar dezoito anos. Como presente de aniversário, seu pai lhe dera um cruzeiro para a Europa em companhia da mãe, da tia e de uma prima mais nova.

Na semana do embarque, Amanda havia tido várias rusgas com a mãe a respeito do guarda-roupa de viagem. A Sra. Lopes dava palpite em tudo, inclusive sobre a roupa íntima da filha. Amanda entendia, evidentemente, que sua mãe tinha mais traquejo para saber o que usar no navio, mas daí a ser a única a escolher o que levar, era um absurdo!

Na véspera da viagem, Amanda aproveitou que a empregada estava arrumando a cozinha, e que a mãe havia ido ao salão de beleza, para pôr em prática o seu plano. Primeiro, fechou a porta do quarto porque sabia que ninguém entraria sem antes bater, nem mesmo sua mãe. Em seguida, fez suas malas de novo, mas dessa vez do seu jeito. É bem verdade que, no final, pouca coisa mudou, mas aqui e ali substituiu algumas peças. Ao se dar por satisfeita, deixou a bagagem no chão, e resolveu que iria sozinha comprar um livro, pois caso chovesse ou ficasse entediada durante a travessia, teria a companhia de uma boa leitura para matar o tempo. Já estava quase pronta para sair quando decidiu descansar só um pouquinho. Os últimos dias tinham sido bastante desgastantes por conta dos preparativos e das brigas.

Ao entrar, mais tarde, na livraria, Amanda estava tão distraída que não notou quando um par de olhos astutos percebeu sua presença. Antes que algum vendedor se aproximasse, Eduardo – o proprietário - saiu de sua sala e foi ao encontro da moça bonita e elegante. Ao chegar perto dela, sussurrou-lhe:

- Posso ajudá-la?

Amanda levou um susto, e se virou. Não ouvira passos atrás de si, e aquela voz viril em seus ouvidos a perturbou. Ficou sem saber o que dizer, mas após alguns segundos, conseguiu responder. Inventou que estava procurando um presente para uma amiga. Eduardo perguntou-lhe se a moça em questão era casada ou solteira. E Amanda indagou:

- Faz diferença o estado civil da aniversariante?

Eduardo se surpreendeu com a coragem da jovem, mas achou que aquilo ia ser ainda mais instigante. Munido de paciência, ele explicou que mulheres casadas gostavam de livros de receitas, de decoração, e de conselhos sobre a educação dos filhos, ao passo que moças solteiras preferiam romances que as fizessem sonhar com bailes, com um grande amor ou com uma tórrida paixão. Durante o comentário, o livreiro havia se colocado bem próximo de Amanda. Sua voz a envolvia, e seu olhar parecia dizer-lhe que estava diante de um homem que sabia o que queria, e que não media esforços para conseguir seus objetivos.

Eduardo, então, pegou gentilmente no braço de Amanda, e começou a caminhar com ela pela loja. O toque daquela mão quente em sua pele teve um efeito imediato em seu corpo. Borboletas passaram a dar cambalhotas em seu estômago, e suas pernas ficaram bambas. No entanto, apesar da sensação de vertigem, conseguiu acompanhá-lo até o corredor onde estavam os romances. Ele mostrou-lhe vários títulos, discorreu um pouco sobre alguns, e acabou pegando dois. Enquanto o livreiro mostrava todo seu conhecimento, Amanda estava absorta, olhando para ele, sem acreditar no que via. Não estava conversando com um frangote da sua idade. Não! Era um sujeito de trinta e poucos anos, alto, esguio, e atraente que exalava masculinidade por todos os poros. Amanda sabia que era graciosa, entretanto, nunca se achara capaz de despertar tamanha atração em um cavalheiro. Tolinha. Não tinha malícia, muito menos experiência para saber o que levava um homem como aquele a olhar para ela.

De repente o livreiro pareceu se lembrar de algo. Deu um dos livros para a moça, colocou a mão livre em sua cintura, e depois, saiu conduzindo-a pelos corredores. Amanda não se sentia totalmente confortável ao seu lado, mas estava começando a gostar de receber tanta atenção. Ela não sabia dizer onde ele a estava levando, mas torcia para que esse lugar fosse bem longe. Infelizmente ele levou-a até uma poltrona ali perto. Eduardo a fez sentar, entregou-lhe o livro que carregava, e segurou em seu ombro por um breve instante. Disse-lhe que ficasse à vontade, e que caso precisasse, batesse à porta de seu escritório. O livreiro retirou-se sorridente. A menina, como tantas outras, já estava enredada. Era só ter paciência e esperar.

Amanda estava muito agitada. Tentou ler alguns parágrafos para definir qual romance comprar, mas embora se esforçasse, não conseguia reter qualquer informação. Ela só se lembrava da voz do livreiro em seus ouvidos, do seu olhar penetrante, e do calor das suas mãos. Após alguns minutos, ela optou pela capa mais romântica. Já ia se dirigindo ao guichê para pagar quando Eduardo abriu a porta do escritório inesperadamente, e exclamou:

- Achei! Encontrei o livro que estava procurando. Creio que você vai gostar.

A jovem ficou sem graça de sair sem ao menos dar uma olhada na obra, mas por sorte, o romance era fascinante. Amanda foi ficando, pouco a pouco, alheia a tudo à sua volta. Não notou quando o sol se pôs devagarzinho. Não viu o movimento diminuir até que fosse a única freguesa, e nem reparou quando os empregados se despediram do patrão.

Passado algum tempo, a moça se surpreendeu quando o livreiro se aproximou. Ele explicou que todos já haviam ido embora, mas ela parecia estar tão entretida com a leitura que permitira que ficasse enquanto fazia o caixa. Seguindo um impulso, Eduardo se abaixou, e colocou as mãos nos joelhos dela como se procurasse apoio para não cair. Amanda se sentiu insegura com aquele gesto, mas ao mesmo tempo, não podia crer que um homem tão educado quanto Eduardo tivesse mal- intencionado. Então resolveu relaxar e não deu mais importância ao fato. O livreiro parecia ignorar o que se passava pela cabeça da jovem, e tratou logo de fazer perguntas sobre sua vida. Queria saber se ela estava namorando ou se já estava noiva porque linda daquele jeito, certamente deveria ter vários pretendentes. Logo depois de elogiá-la, Eduardo levantou uma das mãos, e a pousou sobre o vestido, bem na altura da coxa de Amanda. Foi aí que ela entendeu o que realmente estava se passando. Ela estava convencida de que precisava gritar e correr, mas as palavras não saíam de sua boca, e suas pernas não obedeciam à ordem para fugir.

Subitamente, o livreiro se empertigou e arrancou Amanda da poltrona. Ela ia perdendo o equilíbrio quando ele colocou a mão em volta de seu corpo e a puxou para seus braços. Foi, então, que ele lhe deu um beijo tão intenso, tão carnal e prolongado que a fez ficar ainda mais confusa. Não sabia se Eduardo era o herói ou o vilão de sua história, mas de uma coisa tinha certeza: ela se sentia refém daquele homem.

Sem mais nem menos, Eduardo afastou-se dela, mas agarrou seu pulso com força, e saiu arrastando-a para os fundos da livraria. Ela se mantinha muda, perplexa. Pararam diante de uma porta. O livreiro tirou do bolso um molho de chaves e abriu o cômodo. Lá dentro estava escuro, contudo, Amanda viu algo, no chão, que parecia ser um colchão velho. Eduardo ficou frente a frente com ela e disse:

- Entre aí, tire a roupa e me espere. Vou acabar de fechar a loja. Já vou avisando: não adianta gritar. Sabe a casa rosa do lado direito da livraria? Bem... o dono é meu amigo, e sei que a família toda está viajando. A outra casa, a do lado esquerdo, está desocupada há anos. Ah, e nos fundos, o que tem é um terreno baldio, portanto, é inútil você se esgoelar.

Eduardo empurrou-a para dentro do quarto e trancou a porta. Em poucos minutos tudo havia mudado. A atração que a jovem sentira havia se dissipado para dar lugar ao pânico. Ela tremia dos pés à cabeça. Amanda fechou os olhos, e tentou rezar, porém sabia que era só uma questão de tempo até... Um barulho seco e um súbito clarão interromperam seu raciocínio. Amanda sabia que devia olhar e enfrentar o que quer que fosse, mas estava apavorada.

- Amanda, você não ouviu quando bati? Levante. Vamos jantar.

Mãe! Como assim? – pensou Amanda.

A jovem acordou sobressaltada para descobrir que tudo não passara de um pesadelo. Ela não havia ido à livraria. Adormecera em sua própria cama, tamanho era o cansaço.

Beth Rangel
Enviado por Beth Rangel em 19/08/2015
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