Mundo das sombras.

Deitada a meu lado na cama estava a sombra, a vi em sua verdadeira forma quando despertei, um corpo translucido, de névoa escurecida. Mas nada a alardear, o mundo real, o mundo dos mortos, o prêmio triste e pago por ver; Levantar, banhar, me vestir, comer e sair, trabalhar,- o primeiro intuito. Contudo, ao sair, a rua, tomada pelos fantasmas, sim os fantasmas, corpos vazios, quase invisíveis, -sim, finalmente me é mostrado o que há para se saber sobre tantos; andei então por entre eles, que em seus afazeres sequer sabem o que em verdade são. Caminhando, correndo, brincando, dirigindo, trabalhando, eles continuam sendo apenas o que são, sem saber o que são, ou talvez isso nem sequer lhes seja importante saber.

Lembro de todas aquelas histórias e esforço, os ensinamentos para se tornar alguém no objeto do mundo vazio, no intuito de alimentar a grande máquina. Imagino que teria sido feliz apenas sendo e fazendo, entretanto, esse presente foi oferecido, e olho agora o preço pelo que escolhi.

Então retorno para casa, abatido como não poderia ser diferente, e como poderia? Aquela pobre doce sombra me cumprimenta, e eu sorrio para ela, pois pobrezinha não me vê como agora a vejo; tento imaginar como devo levar a vida agora, pois me sinto só e cada vez mais sugado, e ainda assim finjo sorrir e adorar tudo à minha volta, pois é assim que somos ensinados a ser, e penso que assim deve ser para que seja igual a tudo a volta. Não devo ser a fruta amarga nesse mundo de sombras, não devo ser para eles próprios uma terrível sombra, então devo oferecer essa mentira, a mesma mentira que todos os dias me foi oferecida, um doce sorriso, ou posso ser eu o verdadeiro fantasma no mundo e todos me vejam assim, tal qual os vejo.

Sinto perdido num paradoxo, não mais num mundo "redondo", estou num cubo, sem saídas, todos os lados são iguais, para onde quer que vá, vejo apenas o mesmo. Sinto o mesmo temor, de que tudo isso não valha a pena, não valha nada, que apenas façamos a roda se mover e quando nossa carga acabar, apenas descartados para nunca mais. Temo que no final isso tenha sido nada, ou que seja um jogo por portas para um paraíso ou tormento eterno. Mas confesso, que em minha cabeça isso não faça nenhum sentido. Temo reencarnar e temo o contrário. Essa velha incerteza básica, no entanto o que realmente me assusta é ser justamente apenas mais uma dessas sombras.

Apenas de algo tenho certeza, finalmente acordei.

Ariel Lira
Enviado por Ariel Lira em 12/07/2015
Código do texto: T5308032
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