Solitude

Era fechada a noite. O frio fez com que os botões do meu sobretudo fossem fechados até em cima, e não havia minuto em que a chuva não acompanhasse minha caminhada noturna. Há alguns dias sobressaltos de frio afligiam meu corpo - um pressentimento nunca antes sentido. Começava na boca do estômago e terminava na garganta. Estava só há tanto tempo que minha mais cara companhia era esse desconforto corporal. Com passos curtos e com a chuva sobre meu guarda-chuva, senti que meu fado era permanecer só; algo me puxava àquela sina em que o pessimismo e a solitude residem e que só se é capaz de recorrer a um quarto fechado e pouco arejado, tão obscuro quanto as janelas seladas em um dia de sol ameno. E meu abrigo era, sim, passar dias e noites sob panos felpudos a refletir sobre nada e chegar a absolutamente conclusão alguma. O vazio de outrora agora me aterrorizava. O caminhar e pensar sem rumo e finalidade eram o mata-tédio mais entediante. A inércia me esmagava. Eu sofria do mal pós-moderno, o mal do ócio de se existir numa solidão insossa. O abrigo da carne pôde de vez tirar-me das tristezas vitais em que mergulhava - a carne, o toque, o não estar só estando com outro ser só. Tudo se dissipou e me recolhia ao desalento das gotas d'água que caiam na minha pele gelada. Era a sensação de morte. Parte de mim morria naquela noite tristonha, parte de mim o vento levava como recordação de noites calmas em que meus cabelos descansavam em mãos carinhosas. Com essas palpitações e com o frio interior eu desabei num mar infindável de lágrimas. Diante dos meus olhos molhados a Terra descascava, se rompia. Não queria morrer. Não queria viver... só. E pouco sabia eu que sozinho era até o último indivíduo que residia nesse planeta individualista. Assisti, com o olhar inerte, meu corpo virar terra, vento, chuva e se incorporar a si mesmo inúmeras vezes. A Terra não descascara, era meu corpo a vítima da desconstrução imposta pela dor da perda de si. Não me encontrava mais - tornei-me ventania.