A CIDADE DA MINHA INFÂNCIA...(EC)
Janaúba, nome de planta leitosa, que domina a paisagem, seca, de Janaúba.
Janaúba, cidade dominada por janaúbas, ao ponto de dar seu nome à cidade, da minha infância.
Janaúbas, que, secas, soltam no ar pequenas plumas de algodões-de-seda, povoando a minha Janaúba.
Pra falar de Janaúba, preciso antes falar das janaúbas, no meio das quais eu brincava.
Falar então, antes, das plantas janaúbas “Himantanthus drásticus (Mart.) Plumel da família Apocynaceae”, seu nome científico.
Pois quando ventava, parava minhas brincadeiras para admirar o vento levando às milhares, suas sementes incrustadas nos centros das plumas veramente brancas... gostava de imaginar aquilo como neve. No sertão da minha infãncia, por isso, nevava... nevava muito, no calor infernal do meu sertão. E era lindo de se ver com os olhos da criança que eu era…
Na cidade da minha infãncia estão eu criança e toda a minha inocência. Estão todas as casas onde morei e das quais tenho lembranças de cada etapa ao longo da minha infância e juventude. Cada uma delas registrando pelo resto dos meus dias, uma deliciosa etapa daquela vida ainda deliciosamente guardada em minha mente.
Tem casa lá, onde comecei a estudar, casa onde recebi irmãozinho, ou irmãnzinha, o que era engraçado, pois meus pais tiveram seis filhos e, às vezes, um filho nascia numa casa, outro noutra e me lembro de que uma vez, na minha santa ingenuidade, cheguei a relacionar a chegada de um irmão com a mudança de casa... Então, às vezes, querendo mais irmãos para brincar, desejava que a gente mudasse logo... E nossa família mudou muito de endereço. Eu adorava mudanças, meus irmãos também. Sempre víamos as mudanças de endereços como mudanças para novas oportunidades, novas aventuras, novos amigos, novas escolas, novos tudo... Nossos pais, no entanto, diziam odiar as mudanças. Como poderiam odiar uma coisa tão legal? Mas a verdade que eu não conhecia, era a de que na cidade da minha infância havia a super-inflação, a ditadura quase no fim, mas ainda intimidante. A verdade que eu não sabia, era a de que a gente só se mudava porque as situações financeiras dos meus pais subitamente não poderiam permitir continuar pagando o aluguel quando ele aumentava... Que às vezes meu pai ficava desempregado e escondia sua tristeza por tras de sorrisos que nos protegia de tudo aquilo, e não nos deixava perceber que havia um lado negro rondando a nossa infância, o nosso sertão, a cidade da minha infãncia. A fome, o desemprego, a inflação, a pobreza, a ditadura, foram todos eficientemente escondidos por tras dos sorrisos dos nossos pais e a nossa infância foi sempre bela e ingênua na minha cidade daqueles tempos.
Penso hoje que meus pais nunca puderam, mesmo morando na mesma cidade, habitando as mesmas casas, perceber, com os olhos da minha infância, que no sertão, de sol causticante, nevava... e nevava muito. E tudo era belo, por causa dos biombos dos teus sorrisos que nos separavam da feia realidade que com eles nos protegiam.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo – A cidade da Minha Infância
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