VITRINES

Eu cheguei ali por obra da vida que escreve todos os flashes dos seus atos imprevisíveis.

Toquei a campainha e um silêncio sepulcral ressoou e emoldurou a edificação pomposa, encoberta por espécimes duma flora exótica que a escurecia, algo de intimidade florestal, e cujos detalhes arquiteturais muito mesclados nos faziam lembrar um museu dum "eclético" de vanguarda, mas de gosto bem duvidoso.

Fui recebida por uma senhora uniformizada, de semblante duro, que trazia na alma as amarguras dos caminhos minados da vida.

Sem dizer uma palavra ela hermeticamente me conduziu a uma escadaria que eu já sentia estar longe de nos conduzir ao céu.

Assim que a porta principal da casa se abriu, senti que a organização impecável da mobilia encolheria qualquer alegria distraída que , por ventura, pudesse ali entrar para ficar.

Os inúmeros objetos em prataria, sem dúvida, impecavelmente polidos e organizados com primor compulsivo, contavam uma longa história sombria e silenciosa de vários caminhos glamourosos estáticos, como se tilintassem troféus dos tempos esquecidos e que não voltam nunca mais.

Adiante, num quarto sob penumbra, alguém, de olhos ainda vivos e esperançosos, aguardava por algumas palavras ou atos que, por mais aptos ao conforto, não chegariam cumprir sua missão exata de resgatar as horas saudáveis e devolvê-las úteis e retificadas à frágil vida da nossa presente e efêmera dimensão.

Um pássaro na soleira da janela voou à minha entrada.

Ao lado dum abajour Tifany iluminado, os lençóis duma seda cinza encobriam e emolduravam o destino parecido de todos mas que, em vida, muitos acreditam possuir imunidade passível de se comprar para se desviarem do que está escrito nas estrelas.

Ao lado da cama, um par de sapatos quieto e cansado, dum nobre couro alemão empoeirado, ensinava que tudo, por mais belo e importante que nos seja, tem seu tempo exato de utilidade nas nossas vidas.

Na extensa vitrine muda ao derredor do cenário do todo, sem fitar meus olhos, eu pude, em frações ilimitadas dum tempo sentido nos ossos, apenas esboçar um sorriso com os dedos das mãos que lhe apalpavam e depois lhe prescrever um consolo que não me pertencia.

Ouvi um "obrigado" dito pelos olhos que selava uma despedida.

Desci as escadas acompanhada pela mesma mulher muda, a ainda espreitar o íntimo da vegetação que nos acolhia como se nos amalgamasse a todos num único ato do ecossistema da vida, mesmo barro da terra, e saí dali a acreditar que todo sentido está acima de qualquer douto entendimento humano.

Foi quando entendi que o nosso tudo ao derredor é somente...ilusórias vitrines.

Vitrines que apenas falam temporalmente de nós e dos nossos tão pontuais flashes, sem sequer nos dar pistas do mistério que nos conduz pelo tempo...e que nos promete chegar a todos nós.