ANJO ZOMBETEIRO

As nuvens pesadas, que roubava o azul do céu e o brilho do sol, anunciavam um temporal que, imaginei seria um verdadeiro dilúvio considerando a escuridão abrupta que transformou aquele dia, praticamente em noite.

Os relâmpagos que cortavam o céu causando estrondosos trovões pareciam mais com o daqueles aterrorizantes dos filmes de terror.

Na tentativa de refugiar-me da chuva que já caia aos baldes e fugir daquele cenário macabro, corri como um atleta, os últimos cem metros que ainda faltavam para chegar em minha casa.

Abri o portão como quem abre a porta do paraíso, desejando que alguém já tivesse chegado do enterro de meu primo, para que pudesse distrair as lembranças do desespero, dos choros e lamentações pela sua morte trágica, o que em combinação com a tempestade, fazia com que sentisse um súbito medo de estar só.

Mas ao entrar em casa, notei que estava vazia... Silenciei... e para piorar, ao tentar acender a lâmpada, constatei que estava sem eletricidade.

Frustrada com a situação supliquei por LUZ, pois lá estava eu no escuro, sozinha e sem ter para onde ir devido a tempestade. E para completar, comecei imaginar esse meu primo ( recém falecido ), contando estorinhas de fantasmas como na infância, só pra rir do meu medo.

Quase em pânico, tentei ligar e desligar várias vezes o interruptor da sala, mas, sem resultado. Já com lágrimas nos olhos, porém ainda na esperança de que a energia voltasse, continuei tentando até que de repente e como que se meu pedido tivesse sido atendido, finalmente acendeu... Afff!! ( alívio feminino rs ).

Sentindo-me mais aliviada e confiante com a claridade, comecei a rir de mim mesma e em pensamentos zombar de meu falecido primo com um sonoro "na na na na na a a na", do mesmo jeito como sempre fazia no passado, para me vingar dele...( quando o desafiava demonstrando coragem e sobrepondo-me ao medo que ele tentava provocar em mim ).

Agora era o silêncio que incomodava, pois aguçava ainda mais o meu medo. Assim, num impulso sem a noção do momento, liguei o rádio na tentativa de não mais pensar nele e acima de tudo não imaginá-lo contando suas estorinhas aos meus trêmulos pensamentos. Ao ligar o rádio, ouvi Annie Lenox cantando "There Must Be An Angel Playing With My Heart" e ao notar a coincidência do texto com a situação, causou-me arrepios... Quando um relâmpago cortou o céu, fazendo-me sentir outros calafrios e uma sensação nova, de que o safado do meu primo estava presente...bem ali...ao meu lado... rindo do meu medo. E era tão forte que fiquei com vontade de gritar...

Mas antes que pudesse ter qualquer reação, ouvi o portão de entrada com seu rangido peculiar de ferro precisando ser lubrificado, se abrindo e as vozes de meus pais dizendo:

_Nossa, que tempestade! Nossa filha deve estar morrendo de medo!

Aquelas vozes queridas soaram aos meus ouvidos como uma cantiga de ninar... Tamanho o alívio e conforto que senti. Corri chorando para o abraço ofertado por aqueles braços carinhosos estendidos de todos ao mesmo tempo e me senti finalmente segura.

Eles nunca souberam que o meu medo tinha nada a ver, com TEMPESTADE...