A MENINA QUE COPIAVA II

Capítulo II

FEDERICO COEUR

O barulho das sirenes aumentava gradativamente e aquele eco infernal irrompia por todo o aparelho ressonador, ainda assim não era só o que incomodava a superfície gélida e úmida do chão aos poucos iam trazendo-a de volta. Bianca recobrava a consciência e sentia sua cabeça doer horrores. Teve ânsia de vômito, mas, logo se desprendeu daquela dor, pois precisava se concentrar para ouvir a voz gritando ao fundo. Percebeu logo que estava amarrada e precisava se localizar, as palavras que evocava causavam-lhe confusão e seu raciocínio não conseguia acompanhar suas memórias. A voz áspera crescia ao fundo e seus tímpanos estavam para estourar quando se esforçou mais e ouviu um comando “Tragam aquela vadia para mim”. De repente, se viu correndo em meio a enormes corredores, precisava encontrar uma saída, mas ao que tudo indicava aqueles estavam mais para um labirinto o peito doía cada vez mais à medida que seu coração descompassava, mesmo assim ela não poderia parar, não até encontrar um lugar seguro, pelo menos cinco homens a seguiam.

Uma dor aguda a fez estremecer e quando tentou forçar umas das mãos para levar à testa, sentiu a corda queimá-la. Mais uma vez teve que afastar aquela dor incomoda e se concentrar na lembrança. Semicerrou os olhos e franziu a testa e lá estava ela, correndo desesperadamente rumo a uma multidão, estavam em frente ao museu de arte barroca, o conde iria leiloar uma importante peça de sua coleção, as coisas começavam a fazer sentido agora e Bianca quase perdeu a lembrança no instante em que teve o insight, se concentrou mais uma vez e voltou para sua fuga. Agora os homens a estavam alcançando, precisava ser mais rápida, mais rápida ou, ou... “Arthur”! A lembrança do irmão tirou-a de órbita por alguns segundos, mesmo assim manteve o ritmo da corrida até aterrissar de novo bem no meio do salão principal.

O salão era enorme e em uma de suas salas estava acontecendo o leilão, Bianca olhou ao redor, não fazia ideia de como chegar até lá, os homens que a seguiam surgiram em seu campo de visão e o desespero aumentou inda mais. Em meio ao desnorteio, uma voz suave surgiu para salvá-la. A mulher no alto da escada anunciava que o leilão estava para começar. Pessoas passavam por ela entregavam um elegante convite. Aquilo não podia está acontecendo, ela precisava entrar. Os homens que a seguiam poderiam encontra-la a qualquer momento, o salão estava ficando cada vez mais vazio assim ela seria um alvo fácil. A mulher anunciou mais uma vez o leilão. Bianca sentia a angústia crescer dentro do peito, tinha pensar rápido. Um rapaz apareceu distribuindo panfletos. Rapidamente ela estendeu a mão e apanhou um, depois, correu para a escada. Só precisava tocar em um convite agora e a sorte parecia contribuir para seu favor, uma senhora portando bengala tentava subir os degraus, certamente o convite estava dentro da bolsa. Bianca segurou-a pelo braço e ofereceu ajuda, a velhinha sorriu gentilmente e se apoiou confortavelmente. A subida parecia não ter mais fim, a cada degrau pensava que talvez não tivesse sido uma boa ideia acompanhar aquela senhora, mas já era tarde, estavam na metade do caminho e agora não seria justo deixar aquela velhinha tão gentil sozinha. Sua mente não parava de pensar no que faria dali por diante e seu coração ainda não havia desacelerado. Tinha que ser natural, pensava.

_ Senhoritas, por gentileza, os convites! ¬─ A voz suave da mulher despertou-a novamente, suas mãos estavam estendidas, esperando que entregassem os convites. Só agora Bianca percebera que a velhinha já não estava mais apoiada em seu braço e que estava para abrir a bolsa. Ela verificou se o panfleto ainda estava inteiro em suas mãos e assim que viu o convite puxou para cima delicadamente como quem quisesse ajudar, depois, entregou-o para a senhora.

_ Os convites por gentileza! ─ Voltou a dizer a mulher.

Antes de entregar o convite, Bianca observou pela última vez o salão, percorreu todo o espaço até pousar seus olhos especificamente para o primeiro degrau da escada, os homens que a perseguiam estavam lá parados, com seus olhares também fixos nela. Um riso minimalista brotou em seus lábios, o sarcasmo enrijeceu ainda mais aqueles homens. Por fim, ela acenou e então entrou para apreciar o leilão.

O barulho da porta se abrindo novamente a fizera sentir a superfície desagradável do chão frio, e dessa vez, algo diferente, um gosto forte e encorpado em sua boca. Estava sangrando! Um homem se aproximava e ela sabia exatamente de quem se tratava, esperou que ele lhe desferisse algum golpe na fronte.

_ Vai me matar agora seu conde fajuto de merda! ¬ _ Provocou, mas só obteve o silêncio. _ Sabe que se você me matar não vai conseguir manter as aparências por muito tempo não é? ─ Continuou ela.

_ Já ouviu falar em Federico Coeur? ─ Bianca empalideceu ao ouvir aquele nome, não podia ser, não aquele homem. Ela não conseguiu revidar, não conseguia articular e sua língua parecia estar colada no céu da boca. ─ Ele é um homem de muito poder. ─ Continuou o conde. ─ Muito dinheiro! Capaz de me reabastecer e até dobrar a riqueza que um dia eu já tive. E o mais interessante... ─ Ele fez uma pausa. ─ Temos algo em comum. ─ Bianca lutava para respirar. O conde abaixou e sussurrou em seu ouvido. ─ Ambos somos apaixonados por obras de arte. No entanto, sua galeria é bem maior que a minha. Infinitamente maior agora que já não tenho mais os meus preciosos quadros. Exceto, por um. ─ Dessa vez o golpe veio, um chupe bem no estomago. ¬─ Sua vadia! ─ Berrou o conde. ─ Pensou que iria me enganar e ficar por isso mesmo? Você sabia que Federico Coeur é um grande admirador de Van Gogh e que por coincidência ou tramoia do destino a única peça que falta em sua coleção é o meu valioso “Starry Night”? ─ Outro golpe. Bianca não conteve a ânsia, o vômito veio e com ele enormes bolhas de sangue. ─ Não preciso mais de você sua... “Midas” fajuta.

_ Imbessil! ─ Falou Bianca com muita dificuldade. ─ Tudo é tão maior do que você consegue perceber. ¬─ Ela fez uma pausa. Respirava com dificuldade. ─ Acha mesmo que se fosse simplesmente pelo Starry Night eu estaria aqui? Existem outros quadros como este, o fato é o que seu quadro representa. Eu posso fazer de você um homem mais rico do que o Federico se você quiser. Posso dar você tudo o que ele tem, é a vida dele que você quer?

O conde parou por um segundo, depois, se agachou para sussurrar novamente ao ouvido dela.

_ Como faria isso? ─ Indagou-a.

_ Meus poderes evoluíram. ─ Respondeu Bianca. ─ Agora também sou capaz de clonar pessoas. ─Completou.

_Prove! ─ Sugeriu ele.

_ Chegue mais perto. Olhe em meus olhos.

Os olhos do Conde estavam fixos nos dela quando ele recebeu um golpe inesperado. Suas cabeças produziram um zunido que ecoou por todo o espaço e ambos caíram. Ele se levantou rapidamente e estava desferir outro chute quando percebeu que Bianca já não estava mais ali e sim ele quem estava amarrado. Seu chute parou antes que o acertasse, enrijeceu, depois esfregou os olhos para ter certeza do que via, poderia ter sido a pancada, mas, não, era mesmo ele amarrado ali ao chão.

_ Como você... ─ Não conseguiu completar a fala.

_Então, ainda vai me entregar a Federico Coeur?! ─ Disse Bianca depois que voltou a sua verdadeira forma.

_ Temos que selar um pacto. ─ Disse o Conde. ─ Você já me enganou uma vez.

_ Eu não tive escolhas. Ele mantém meu irmão preso. ─ Respondeu ela.

_ Ainda assim, temos que selar um pacto.

_ Feito! Agora desamarra.

_ Preciso saber de algo que te comprometa, ou, nada feito. ─ Exigiu ele.

Bianca respirou fundo, depois começou a falar desesperadamente.

_ Meu pai falsificava quadros para Federico Coeur, mas...

_ Ele era como você? ─ Interrompeu o conde.

_ Sim!

_ Então quer dizer que...

_ Não me interrompa. Essas cordas estão apertadas, me deixe terminar logo. ─ Seu timbre vacilava.

_ Certo! Continue.

_ Meu pai falsificava quadros para o Federico Coeur, mas, quando conheceu minha mãe ele se demitiu. Por algum tempo vivemos felizes juntos e ele pensou que estava tudo bem. ─ Lagrimas começaram a brotar de seus olhos. ─ Ninguém consegue se livrar daquele desgraçado, então quando ele o procurou novamente, trouxe uma ameaça. Meus pais decidiram que iriamos fugir, mas fomos interditados. Os capangas do Federico mataram a minha mãe e levou o resto de nós para ele, depois prendaram a mim e ao meu irmão numa sala vazia enquanto torturavam meu pai. Queriam que ele falsificasse um Starry Night que provavelmente na época ainda não era seu. Meu pai não aguentava mais ser torturado mas por alguma razão ele resistia. Um dia quando um dos capangas o torturava, meu irmão não aguentou e o agrediu, foi quando a chave da porta que nos prendia caiu e eu a apanhei, o guarda me fez devolve-la e assim o fiz, no entanto senti que podia reproduzir aquela chave, então apanhei um dos grampos do meu cabelo e descobri que estava certa, eu copiei a chave. Mostrei ao meu pai, mas ele pediu que eu permanecesse quieta e não deixasse ninguém descobrir aquilo. Não adiantou, havia câmeras no quarto e o Federico descobriu tudo. Como não precisava mais do meu pai, ele mandou que os capangas o matassem. Me manteve presa durante algum tempo, esperando que meus poderes evoluíssem para que eu fizesse o trabalho sujo que ele queria. Quando finalmente consegui reproduzir cópias perfeitas ele me encarregou de copiar o Starry Nigth, porém, você já o tinha adquirido. A única forma de tê-lo de volta era fazer você vendê-lo, como sabia que você só faria isso caso perdesse todo seu dinheiro ele o enganou numa aposta. Então você começou a Leiloar seus quadros e foi aí que te conheci. Me aproximei de você e fui logo mostrando o que eu era capaz de fazer para te atrair.

_ Desgraçado! ─ Vociferou o Conde.

_ Duplamente desgraçado. ─ Disse Bianca.

_ Mas você mudou o roteiro do plano. ─ Observou ele. ─ Como o Federico não percebeu?

_ Ele percebeu. Esse castelo é dele. Você só o conseguiu porque ele quis, ou você realmente achou que seu lance fora o maior da noite! Ele fez com que você fosse o vencedor do leilão. E sei que disso você já sabia. ─ Acusou-o.

_ Eu não poderia negar um presente desses, poderia? Ainda mais depois que o desgraçado tomou todo meu dinheiro. Mas se o castelo é dele porque não apanhou o Starry Night?

_ Não se faça de idiota. Ele arrematou o Starry Night, aliás ele arrematou todos os seus “quadros”, falsos quadros. ─ Concluiu ela.

O conde sorriu.

_ Miserável. ─ Disse. ─ Contratei um dos melhores falsificadores que poderia existir. ─ Completou.

_ Falsificadores não são copiadores e o Federico Coeur sabe muito bem distingui-los. ─ Falou Bianca ironicamente.

_ Então quer dizer que ele sabia o tempo todo! ─ O conde não conteve a gargalhada. ─ Cão do inferno!

_ Não só sabia como se aproveitou dessa situação. Se o castelo fosse seu, obviamente você traria todos os seus quadros originais para cá.

_ E aí você poderia copiar o Starry Night.

_ Exatamente. ─ Bianca assentiu.

_ Mas o que raios tem de especial nesse quadro? Exceto é claro além do fato de ser uma obra prima de Van Gogh!

_ Tem alguma coisa a ver com as onze estrelas nele. Acho que é um espécie de mapa astral. Mas chega, cansei. Já lhe dei um bom motivo para confiar em mim, agora me solte e mande preparar um belo banho para mim. ─ Ordenou ela.

_ Creio que não será possível. ─ Respondeu o conde?

_ Como assim? ¬─ Inquiriu ela.

_ Temos visita!

_ Visita? O quê? Quem virá nos visitar?

Bianca estremeceu quando ouviu o nome.

_ Federico Coeur!

C O N T I N U A . . .

Héryton Machado Barbosa
Enviado por Héryton Machado Barbosa em 18/01/2015
Código do texto: T5106045
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