A mansão do desejo (outubro de 2014)

Tive a impressão de estar andando em círculos. Primeiro abri a porta que dava para uma pequena escada e para uma grande sala de jantar. Tudo vazio. Dali, continuei rente à parede pintada recentemente até uma porta de madeira talhada que dava para o jardim. Saí então da casa sem muito esforço, andando reto até encontrar uma grande mangueira.

Caminhei entre as diversas árvores frutíferas que ladeavam a mangueira, até chegar ao começo de toda minha caminhada. Eu estava realmente caminhando em círculos. Foi aí que dei falta de Marisa e chamei alto por ela. A princípio não me respondeu, como se quisesse me dar um susto, mas depois da terceira vez que chamei seu nome respondeu.

“Aonde é que você vai?” Disse ela, saindo abruptamente de trás da porta da cozinha. “Correndo pegar meu lugar no futuro.” Respondi. “Isso não é resposta, é uma canção de Chico Buarque de Holanda...” Eu ri com vontade, envolvendo Marisa pela cintura e dando-lhe uma beijoca infantil, deixando minha boca borrada de batom.

“E o que está achando da casa?” Perguntei-lhe, curioso. “Já viu o jardim? Vamos colher frutas o ano inteiro.” Ela segurou-me a mão e disse, “Visitei a casa toda rodando, rodando com ela, como se caminhasse sobre o corpo de uma centopeia gigante em movimento.” Em resposta, assenti com a cabeça para dizer que tive a mesma impressão.

O casamento estava marcado para o mês de fevereiro, o que nos dava aproximadamente onze meses para mudarmos para nossa casa. Faltava-nos antes do casamento, portanto, escolher o lugar e combinar o pagamento pela propriedade utilizando o empréstimo que conseguiríamos no banco. Esta era a nona casa que visitávamos.

A maioria das propriedades que visitávamos tinha algum defeito muito grande. Ora o sistema de esgoto era falho, ora era o reboco que caía do teto, ora a água das torneiras era imunda. Essa casa, embora um pouco distante do centro da cidade, era charmosa e parecia ter chamado atenção de ambos desde o instante em que entramos nela.

“O que achou da cozinha? Não estive lá ainda.” Perguntei a Marisa, ao que me respondeu, “Bom, a água que sai das torneiras é cristalina. E você precisa ver só o espaço. Dá para servir jantar para umas dez pessoas.” Fiz menção de que queria ver, e entramos juntos na grande cozinha da casa.

“Uau!” Fiz sinal apontando para os dois fogões elétricos embutidos, instalados na parede, ao lado da janela que dava para o quintal. “Veja os fogões, Marina, estão em excelente estado”. E ela completou, “E não têm nenhum sinal de ferrugem, apesar da cobertura rústica, de ferro.” Eu aproveitei para olhar o quintal da janela: lá estava a grande mangueira!

Já se passava uma hora que estávamos ali. O tempo passou sem que nos déssemos conta disso. Aproximava-se das cinco horas da tarde, e teríamos que devolver as chaves para a imobiliária antes das seis horas. Acenei para Marina apontando para a escada que levava ao andar de cima. Ela passou à minha frente e subiu. Eu subi logo atrás.

A Marina chamava atenção também o quanto a casa estava vazia de pertences. Com a exceção dos fogões embutidos na cozinha, não havia uma cama em um quarto; um armário ou penteadeira para anunciar que alguém havia um dia habitado aquele lugar. “Você observou que somente as paredes da parte de baixo foram pintadas?” Perguntou-me Marina.

Eu lhe redargui dizendo que isso não era muito importante, dadas as excelentes condições da casa. Também, argumentei em favor da compra da casa, tinha certeza de que a imobiliária ficaria responsável por concluir a pintura das paredes. Marina não me respondeu, franzindo o cenho tentando enxergar o lado de fora através da janela muito suja de um dos quartos.

Descemos as escadas e fomos para o banco do jardim, velho e de madeira, um pouco apodrecido devido às intempéries a que foi submetido por anos e anos a fio. Senti então que estávamos os dois cansados e, segurando Marina pela mão, fazendo com que se sentasse ao meu lado no banco, esbocei um sorriso.

Marina chamou-me pelo nome, algo que fazia raramente, apenas quando tinha algo sério a falar ou se encontrasse alguma razão para me censurar. “Pedro, é a melhor das propriedades que visitamos até agora, mas vamos pensar o preço da propriedade. Você acha que podemos?” Sua expressão era séria, demandando de mim uma resposta rápida.

“Gostei muito dessa casa também. Sobretudo do caminho circular que faz a passagem pelos cômodos no andar térreo dando para o jardim. Tive a impressão de que viajasse no tempo.” E emendou Marina, “Há mesmo algo de especial neste lugar, estou de acordo com você.” Depois ficamos de olhar fixo na mangueira, enquanto o silêncio tomava conta de nós, aos poucos.

“Quero ter três filhos, para vê-los correndo por todo esse espaço no jardim, pulando da sala de jantar na terra escura desse pequeno paraíso frutífero. Quero vê-los de cara amarela, suja de manga, pedindo para tomar banho.” Disse Marina. Eu lhe respondi, “Sei o que está em sua cabeça, e é somente isso. É caro demais? Podemos...? É o lugar perfeito para se morar.”

Emendou conversa no que eu disse Marina, “Nessa casa sinto que gostaria de construir o nosso destino. É perfeito para os nossos filhos e, quiçá, também para os filhos de nossos filhos.” E eu lhe respondi, “Agora você entende o porquê da canção de Chico Buarque, aquela que diz que ‘vou correndo pegar meu lugar no futuro. ’ Sinto a vontade que você sente, Marina.” Silêncio...

“Temos que devolver as chaves.” Disse Marina um pouco envergonhada. Eu contei primeiro até cinquenta, para depois responder-lhe: “Sinto vergonha por ter sonhado alto. O preço é mesmo muito alto para nós.” Nesse momento acho que arranquei um sorriso do semblante um pouco triste de Marina. Levantei-me do banco e ofereci-lhe a mão. Eu disse, “É money...”

Marina levantou-se e pôs-se à minha frente a caminho do portão da casa. Não nos dizia mais respeito a pintura das paredes da casa, mas também não nos dizia mais respeito a mangueira do jardim e a janela da cozinha que dava para ela! Nosso sentimento era o de que perdíamos algo. Porém, tínhamos certeza de que logo, no amanhã, algo de melhor tamanho nos esperava.