Anjos

O relógio na parede da sala de estar marcava onze horas. Era véspera de natal e a casa de Ana estava repleta de parentes e amigos que à sua família vieram se juntar.

Ana preparara com a ajuda das três pequenas filhas, quitutes deliciosos, ao gosto de toda a família.

Sob a enorme árvore de natal iluminada com estrelas que brilhavam como no céu, estavam os presentes que seriam entregues à meia noite.

As três filhas, curiosas para abrirem os presentes prometidos, acreditavam que papai Noel atenderia aquele pedido especial, e à meia noite, seria colocado no sapatinho deixado na janela.

A campainha tocou tão forte e assustadora que soou como um toque de recolher, fazendo-se praticamente instantâneo profundo silêncio.

O pai tentava se apressar dirigindo-se à porta. Agarrados a ele, as três filhas seguravam firme em suas pernas impedindo-o de andar com mais velocidade.

Surpresos, a família ali reunida perguntava um a outro, sobre quem viria tocar a tão alta e imprópria hora.

O pai abriu a porta, e à sua frente surgiu a figura de um homem desconhecido com aparência cansada. Um espectro.

Não demorou e o estranho homem sacou uma arma na destra, alertando a todos evitarem movimentos bruscos, que o obrigasse atirar.

As crianças ainda segurando as pernas do pai, ignorando em sua inocência, o grande perigo que as espreitava, quiseram saber do desconhecido o que desejava, lembrando-o ser esta a noite de natal e ele deveria estar com sua família.

O estranho homem ouvindo isso, em breve momento de desabafo, afirmou que o desespero o fez pegar naquela arma pela primeira vez.

Seu lamento ecoava em todos os ouvidos presentes. Sem emprego, afirmou não ter como levar alimentos para casa. Os quatro filhos estavam com fome.

Ele fora àquela casa para roubar unicamente para alimentar os filhos.

O pai na tentativa de persuadi-lo explicou que cometer um delito o marcaria indelevelmente e tornaria sua vida bem mais embaraçada.

Pediu que o homem baixasse a arma, e prometeu se empenhar em arrumar um emprego digno para ele, dando-lhe oportunidade de um dia os quatro filhos dele sentirem orgulho.

Após breve silencio, o homem baixou a arma colocando-a na cintura, e apoiando o rosto nas mãos chorou.

Afirmou estar envergonhado por aquele ato de desespero, senão fosse a falta de esperança, que acreditava ser a maior das forças humanas.

As crianças soltaram as pernas do pai, foram até a árvore de natal e pegaram vários brinquedos colocando-os em grande sacola, entregando-a ao homem, que se comoveu com a atitude das pequenas, enquanto Ana separava parte da ceia que estava sobre a mesa, ajeitando-a em travessas e colocando-as em sacolas. Entregou para ele comemorar esta santa noite em companhia dos filhos.

Aquele gesto das crianças tocara fundo o coração daquele homem.

Lamentando o ocorrido, ele se despediu desejando a todos um feliz natal e partiu.

No caminho enquanto silenciosamente caminhava, pensava sobre aquelas crianças, que generosamente doaram seus brinquedos. Sabia que foram anjos colocados em seu caminho para salvá-lo do erro.