A MENINA QUE COPIAVA

Bianca estava impecavelmente bem vestida, a seda delicada caía sobre seu corpo e o tom vermelho do tecido realçava tanto suas curvas bem definidas quanto a cor de sua pele esbranquiçada, usava um coque baixo trançado com franja lateral e uma tiara discreta. Todos a olhavam, hipnotizados por sua beleza, os traços de seus lábios eram um beijo perfeito e o batom também em tom vermelho despertava sensações libidinais e os mais exotéricos desejos, secretos, em torno daquele enorme salão de festas. Permaneceu parada por alguns segundos, procurando atentamente entre tantos a pessoa certa, era difícil encontra-lo naquele momento, a alta realeza ainda estava extasiada com o leilão que acabara de ocorrer, o castelo valia uma fortuna e pelo que todos sabiam o felizardo que o obtivera estava falido, a surpresa era memorável. Seus olhos circulavam ávidos pelo salão, então, quando enfim o encontrou, se dirigiu até ele. Os movimentos dela eram compassados e milimetricamente perfeitos, deslizava sobre o chão maciço de mármore e a música clássica tocando ao fundo tornara aquele momento único. Ao se aproximar, sussurrou algo ao ouvido do homem de estatura imponente, um tanto alto e magro, porém, bem definido, as vestimentas lhe caiam bem e marcavam as definições de seus músculos, trajava um terno de cetim preto, exato ao comprimento dos ombros, contrastando perfeitamente com a camisa e a gravata, e tinha uma rosa em um dos bolsos, aparentava ter em média uns cinquenta anos, mas seus cabelos eram de um negro incrivelmente intenso, o tempo não o castigara e a idade lhe caíra bem. Assim que os lábios dela se afastaram do seu ouvido, ele levantou a taça de champanhe que segurava na mão esquerda e com a outra mão apanhou um talher que estava próximo e bateu delicadamente sobre o cristal. Todos os convidados pararam para prestar atenção ao que seria anunciado. Ele acenou para ela num leve movimento de cabeção, então, Bianca adiantou um passo à frente e disse num tom de voz angelical: _ Senhoras e Senhores, o conde acaba de anunciar o jantar, sejam os primeiros em fazer as honras de degustar o belíssimo banquete em sua mais nova residência, aproveitem o Buffet!

E todos os convidados se dirigiram à mesa do jantar.

Ela estava se afastando quando o conde segurou-a pelo braço, sua expressão ficou tensa, mas, logo suavizou no momento em que ele lhe entregou a rosa branca que guardava em seu bolso. O conde reparou no desconforto dela, então, disse um obrigado num timbre de voz firme, porém, suavizado no sussurro. Por alguns instantes eles se entreolharam profundamente e Bianca ensaiou um sorriso leve de canto, depois, acrescentou:

_ Cumpra com sua parte do acordo e assim eu serei capaz de lhe agradecer também! ─ Ela sentiu que se tivesse demorado um pouco mais para dizer aquelas palavras, talvez elas nunca saíssem, e não tinha certeza se havia feito bem em dizê-las, mas, estava feliz por ter dito.

_ Não seja tão precipitada. ─ Disse o conde. ─ Aproveite a festa, há muito dinheiro em jogo hoje. ─ Completou.

_ Tudo que quero é colocar as mãos naquele quadro. Mais nada! ─ O olhar dela se tornara feroz nesse instante.

_ Não se preocupe criança, ele será todo seu no momento certo. Agora, vá procurar um vaso adequado para colocar essa rosa, esta é uma espécie em extinção. ─ Ele sorriu sarcasticamente.

_ Fique sabendo que as suas festas entraram em extinção caso você não me entregue aquele quadro. Este é o último bilhete que copio pra você!

A tensão tomava conta dois.

_ Você não tem receio ao ameaçar um conde? ─ O homem mantinha uma expressão neutra sobre ela e começara a colocar uma pressão maior em seu braço. Ao sentir a dor, ela puxou-o com um solavanco brusco, e então o encarou novamente.

_ E você não tem medo que a sociedade real saiba que você se tornou um conde falido e que agora sobrevive de pequenos furtos?

_ Não ouse. ─ Ele se inclinou para pegá-la novamente, mas, notou que algumas pessoas o fitavam, desconfiadas, então se afastou. ─ Não tente nenhum besteira, lembre-se de que você precisa de mim para conseguir o seu precioso quadro! ─ Voltou a dizer, agora com um leve sorriso no rosto para despistar os curiosos.

_ Não, tudo que preciso é de uma chave para abrir aquele cofre e já que ainda não foi entregue a você, sei exatamente onde posso encontra-la. ─ Bianca o estava provocando.

_ Pois saiba que no momento em que derem por falta da chave, eles mandaram fechar o castelo e você será apanhada. ─ Retrucou o conde.

_ Você é quem deveria saber, aliás, mais do que ninguém, de que eu não preciso retirar a chave de seu devido lugar. ─ Desta vez ela deixou seu sorriso preencher toda sua face. ─ Ou por acaso pensou que eu só consigo copiar bilhetes de festas?

_ Eu te tirei da ruína, dei a você uma chance de se salvar. ─ As veias dele estavam expostas agora devido ao grande esforço que fazia para não gritar. Suas mãos estavam fechadas em punhos, então, rapidamente teve que suavizá-las para não causar más impressões.

_ Não, eu salvei você. Confiei em você. Por sorte percebi logo suas intenções escrotas. ─ Disse Bianca.

_ E mesmo assim você preferiu ficar. ─ Ele atirou a verdade para ela.

_ Seu imbecil. Deixei você acreditar falsamente que me manipulava, produzi seu bilhete para o leilão pois assim você seria o meu bilhete de entrada, agora que estou dentro do castelo não preciso mais de você e você não pode fazer nada quanto a isso ou todos aqui descobriram a verdade sobre você.

O conde sentia que não poderia mais respirar, a raiva o tomara por completo, porém, permaneceu calado enquanto ela sumia no meio dos convidados.

O enorme salão de festas agora estava vazio, todos os convidados haviam se dirigido para a sala de jantar. Ao centro, sobre uma tribuna de mármore, estava uma caixa transparente de vidro guardando em seu interior uma chave antiga. Bianca se aproximou, certificou-se de que ninguém estaria olhando, estava sozinha, constatou, então abriu a caixa e apanhou a chave, tocava-a delicadamente, inspecionando todo o seu comprimento, forma e espessura, depois, colocou-a novamente dentro da caixa, deixou tudo exatamente como estava e se afastou. Pensou em subir as escadarias que davam a sala que queria, porém, as entradas estavam sendo guardadas, precisaria esperar pelo momento certo, então, decidiu que iria se juntar aos outros para o banquete.

Bianca havia acabado de se sentar à mesa quando o chefe chegou para anunciar sobre o que seria servido. Linguado grelhado com creme de espinafre, acompanhado de um Puligny-Montrachet 1er Cru 1999 de Clavoillon Leflaive; filé-mignon com trufas e foie gras, com Château Gruaud– Larose 1985, um Bordeaux de Saint Julien; e bomba com sorvete de creme, com Veuve Clicquot, de sobremesa. As porções começaram a ser servidas e enquanto comiam, alguns homens próximos ao conde felicitavam-no pela excelente escolha e pela conquista do castelo, ele sorria, no entanto, não parava de encará-la com um olhar desconfiado. Ela não podia esperar por muito mais tempo, certamente ele daria um jeito de apreendê-la mais tarde, precisava se apressar e aproveitar enquanto havia pessoas ali, caso contrário perderia a chance de se apropriar do quadro. Precisava de uma estratégia para chamar atenção dos guardas, assim as escadarias ficariam livres. Sua mente não parava de funcionar a procura da distração perfeita, tinha que ser rápida, obter a atenção de todos e aquela ocasião não poderia ser mais favorável. Vinhos eram servidos o todo momento eficientemente pelos vinte e cinco garçons, um para cada dez convidados, tantos convidados, pensou Bianca, caso algo valioso sumisse levariam horas para encontrar, teriam que investigar convidado por convidado, esse tempo era mais que suficiente para que ela pudesse copiar o quadro e sair dali. O plano era perfeito, não perdeu mais tempo, então, num átimo de segundo ela estava de pé e imitando ao conde, segurou uma taça em uma das mãos e com a outra apanhou o talher mais próximo e bateu sobre o cristal, o zunido ecoou por toda a sala e despertou a atenção.

_ Senhoras e senhores. ─ Começou ela. ─ Gostaria de anunciar, com pesar e lástima, que temos um ladrão entre nós. ─ Completou.

O conde ficou tenso, os olhares em volta da mesa demonstravam apreensão e horror.

_ Por favor Senhorita, esclareça-nos. ─ Pediu o conde com um timbre embargado e desconfortável.

_ O meu colar de esmeraldas foi roubado! ─ Disse ela.

Enquanto o conde respirava aliviado, todos os convidados se alarmaram e um enorme tumulto começou a se estender ao longo da mesa. Essa seria a hora perfeita para ela se afastar, certamente ninguém não notariam sua presença ali, a não ser pelo conde, no entanto ele nunca poderia sair já que precisava manter a ordem e acalmar os convidados, ele precisava passar credibilidade, pois sua reputação era duvidosa e um escanda-lo como aquele poderia arruinar seus planos de voltar a ocupar a alta realeza.

Ela chegou rapidamente para os guardas e anunciou o que havia ocorrido, acrescentando que o conde solicitara a presença deles para ajudar a conter o alarde. Assim que eles se afastaram, ela subiu as escadas com toda pressa que podia alcançar e se infiltrou em enorme corredor, ao longo de todo o seu comprimento muitas portas surgiam, mas, ela sabia exatamente qual daquelas portas escondia o que queria. Aproximou-se da última porta que apareceu no corredor, parou por um segundo e respirou fundo, depois, como mágica transformou a rosa que ganhara em uma cópia idêntica da chave que havia tocado, colocou-a na fechadura, estava extasiada, uma grande energia percorria seu corpo, não conseguia evitar o riso desajustado e os olhos estavam mergulhados em lágrimas, ela girou a chave e quando abriu a porta tudo o que ouviu foi um forte zunido em sua cabeça, a dor veio segundos depois, havia sido atingida, queria correr, mas sua visão estava escurecendo, não restava mais o que fazer, então, permitiu que seu corpo tombasse para o chão e se entregou às sombras.

C O N T I N U A . . .

Héryton Machado Barbosa
Enviado por Héryton Machado Barbosa em 25/11/2014
Reeditado em 01/12/2014
Código do texto: T5048522
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