Blecaute *

Acordei no meio da noite, percebendo uma atmosfera estranha. Aliás, suponho ter sido despertado por ela, e andei para a janela como se estivesse sendo atraído também por ela. Abri-a, e uma rajada de vento soprou-me o rosto, um relâmpago desafiou o breu, abrindo uma trilha no céu que só pareceu com vaga-lumes depois de uma chuva. Só que a chuva ainda estava por vir. Contudo, o cerne daquela atmosfera que me arrancara da cama, com mãos de chumbo, não fora o prenúncio da tempestade, fora a escuridão lá fora.

A cidade estava mergulhada dentro da madrugada, madrugada incomum, perfurada, invadida por um blecaute que impunha trevas à luz artificial de toda madrugada na metrópole. Um arrepio me resfriou a nuca, mais do que o vento da tempestade que se aproximava. Um tremor me incomodou, como se fosse aviso de sinistro prévio, pois não me recordo de, jamais, ter tido medo do escuro. Papai me contava que eu apagava as luzes para brincar de Daniel Boone em cabanas erguidas com lençóis escuros.

No entanto, aquele breu na cidade toda, acontecendo comigo, eu com meus 40 anos, capaz de imaginar os perigos aos quais a escuridão expõe à gente de bem... Logo a imaginação foi adquirindo tons de violência, e violência no escuro, e violência no escuro não tem face, nem forma, só sons de gritos ou de uivos... Receei pela família. Uma família que principiei a construir quando tinha 18 anos de idade, com a moça mais linda do grupo... Aos dezenove já era pai... Lindsey carregando Maurice em todas as viagens que fazíamos...

Ah!, que inferno de escuridão! Vesti-me, pelo terror de ter minha casa invadida e de os invasores me pegarem em roupas menores.

Na cozinha, abri a gaveta das facas e peguei uma delas. Esse gesto aterrorizou-me mais, por refletir em mim mesmo as infinitas mutações que o blecaute devia estar causando em pessoas mal intencionadas. Se eu pensava em me defender, devia ter alguém pensando em atacar? A lógica era essa?

Soltei a faca. Hesitante, peguei-a novamente. Era minha vida e de minha família que podia estar em risco. Estaria? Sim. Não. Incógnita.

* Trecho do livro: ARREBOL, da escritora Maria Montillarez

Para continuar lendo acesse um dos links abaixo:

http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=82695510

http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/7506496?PAC_ID=18659

http://store.kobobooks.com/pt-br/books/arrebol/Ajtl-ACMKkaYYL6xu0xk4g?MixID=Ajtl-ACMKkaYYL6xu0xk4g&PageNumber=1

http://www.siciliano.com.br/prod/7506496/arrebol/7506496?FIL_ID=102IBA

Boa leitura,

www.iceib.com.br

MARIA MONTILLAREZ. Disponível em: http://mariamontillarez.blogspot.com.br/
Enviado por ROGÉRIO CORRÊA em 17/09/2014
Reeditado em 18/09/2014
Código do texto: T4965539
Classificação de conteúdo: seguro