O PRESENTE

Souza estava meio ressabiado com o presente de aniversário que tinha ganhado dos colegas do escritório – um banho de ofurô. A princípio, pensou que tudo não passava de uma “pegadinha”, mas alguns dos colegas acalmaram-no. Depois, Souza pensou que alguém estava insinuando que ele era “boiola”, porém os rapazes logo dissiparam sua dúvida. Todos achavam apenas que ele - o chefe - andava muito tenso, e um bom banho de ofurô era uma excelente ideia para desestressar. Como Souza não queria passar recibo de caipira, ficou quieto, e disse que em breve iria experimentar.

As semanas foram passando e nada do Souza marcar sua ida ao spa até que não sabendo mais que desculpas dar, marcou para sexta-feira seguinte, depois do expediente.

Souza ficou apreensivo a semana inteira, pois se sentia incomodado com novas experiências. No dia “D”, ele estava angustiado, ou melhor, estava apavorado. Às 18:00h, ao sair do escritório, pegou a sacola onde estava a sunga, e partiu. Preferiu ir de táxi porque não sabia se seria fácil arranjar uma vaga para estacionar o carro. Além disso, achou mais prudente não dirigir já que estava bastante nervoso.

Ao chegar ao spa, a recepcionista explicou-lhe tudo em detalhes, mas o que ele ignorava até então, era que o presente incluía uma massagem antes do banho.

_ Como assim? – perguntou Souza. Ninguém me falou nada a respeito de “massagem”.

Com muito jeitinho, a mocinha disse que ele ia gostar e levou-o até o banheiro para que trocasse de roupa. Souza foi relutante, mas foi. Em seguida, ele foi levado a um cômodo onde a recepcionista pediu que aguardasse o mestre Shioda.

_ Hum! Quê! Quem vai me fazer massagem é um HOMEM!!! Você deve estar enganada ou então está de conchavo com o pessoal do escritório. Quem sabe até tem um deles por aqui ou uma câmera escondida?

_ Por favor, Sr. Souza, relaxe. Em primeiro lugar, posso lhe garantir que não há câmeras em nenhuma parte do spa. Além do mais, aqui é um lugar sério. Ninguém da equipe toparia fazer algum tipo de brincadeira com um de nossos hóspedes. E por último, mestre Shioda é um terapeuta respeitado no mundo inteiro. Ele fez cursos no Japão, tem vários diplomas de técnicas de relaxamento, e é um dos mais requisitados massagistas daqui. Existe até lista de espera para ser atendido por ele. Ah, eu já ia me esquecendo de dizer, ele é cego.

Diante do que foi exposto, Souza deitou-se e esperou. Dali a instantes, ele ouviu passos e a porta abriu. Um senhor de idade indefinida e um corpo ainda firme, falou algo que soou como “boa noite”. O mestre fez com que Souza deitasse de bruços. Em seguida, pegou umas pedras quentes e colocou-as nas costas de Souza. Depois, ele aplicou, com movimentos vigorosos, um óleo preaquecido nos pés e pernas de Souza. Aos poucos, o aniversariante foi descontraindo, e pôde então sentir o ambiente. Havia por lá umas poucas lanternas que deixavam o cômodo à meia luz. No ar, um cheirinho bom lembrava capim limão ou eucalipto. Ele não sabia dizer bem o que era, mas era um perfume agradável. Ah! Havia uma música de fundo que parecia reproduzir sons da natureza. E foi assim que Souza foi lentamente se rendendo ao mestre Shioda. Ele era o máximo!

Após uma hora e meia de massagem, o velho mestre saiu por uns instantes e quando voltou, fez com que Souza entrasse no ofurô. Sentado na água morna, Souza fechou os olhos e nem viu quando o mestre saiu. Ele foi relaxando, relaxando até que acabou dormindo.

Meia hora mais tarde, Souza acordou com uma leve batida na porta, e a voz da recepcionista, dizendo que seu tempo acabara.

Após tomar um banho, Souza colocou o terno e saiu. No caminho para casa foi pensando sobre a experiência pela qual passara. Subitamente ele se lembrou de que, uma vez, havia lido algo bastante interessante sobre diferenças culturais. Quando os europeus tiveram o primeiro contato com os japoneses, eles acharam que os orientais eram bárbaros. No entanto, quem tinha o hábito de tomar banho todos os dias e de vestirem roupas limpas eram os japoneses. Enquanto isso, os europeus só se banhavam em algumas ocasiões especiais durante o ano. Não costumavam trocar de roupas, e como a comida deles era preparada com muito alho, eles fediam. Souza concluiu que devia ser uma provação ter que conviver com um europeu naquela época.

Aquele dia foi marcante para Souza. Ele percebeu que o preconceito muitas vezes impede o ser humano de apreciar hábitos diferentes dos seus, porém nunca é tarde para aprender.

Beth Rangel
Enviado por Beth Rangel em 15/09/2014
Reeditado em 23/11/2014
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