P A S S A G E I R O S.

P A S S A G E I R O S.

1º capítulo. A cúpula.

Estamos presos a mais que um mês pelo menos e até então as autoridades parecem ainda não ter decidido o que fazer conosco. A ansiedade cresce dentro do meu peito e a saudade dos familiares não tem permitido que o sono seja tranquilo. Nós não temos ideia de qual será nosso destino. Desde que fomos mandados de volta à terra estamos isolados numa espécie de cúpula em algum ponto isolado do resto do mundo. Os raios de sol ao meio dia superaquecem a estrutura de ferro e causa exaustão durante o dia. As noites são mais agradáveis, se é que posso dizer que há algum ponto positivo em estar preso. Temos refeições três vezes ao dia e eles regulam a água também. Estão nos enfraquecendo de todas as formas. Psicologicamente e fisicamente. Talvez estejam pensando em nos exterminar para que a verdade não seja revelada. Tolos! É o que são. Podem esconder o fato temporariamente, mas, breve, eles estarão aqui para comprovar sua existência. Eu temo pelo futuro de minha família. Certamente eles já perceberam que há algo errado acontecendo e estão tomando providências. Espero que desistam logo. Espero que a ideia da minha morte já tenha se acomodado. Caso contrário, os oficiais estarão em suas portas e não quero ninguém mais que eu conheça aqui comigo. Além do mais, existe uma guerra maior para ser travada e precisarão de todas as forças possíveis.

O barulho do alarme levou meus pensamentos para longe e me trouxe de volta a realidade. Um refém tentou fugir novamente e como sempre falhou. Logo os guardas estarão dentro da cúpula para nos reprimir por essa atitude. Eu o procuro em meio aos outros e então o vejo apavorado tentando se esconder por entre as colunas de beliches do outro lado da sala. De repente o primeiro portão se abre e posso ver a grade que cerca todo o perímetro da cúpula. Ar fresco entra junto com os guardas e mais uma vez tenho certeza de que ainda estamos sendo mantidos em algum lugar dentro da imensa floresta para qual os extraterrestres nos mandaram. Não tenho tempo de especular mais e o portão se fecha. Os guardas estão se aproximando de todos, ninguém respira. Sabíamos exatamente o que aconteceria dali por diante. No começo eles simplesmente advertiam e ameaçavam, mas, com o passar do tempo passaram a matar mesmo. Éramos 239 reclusos, mas, quando começaram a disparar efetivamente os tiros o número fora reduzido para 219.

Um dos guardas interroga-nos sobre quem fora o responsável por disparar o alarme. Silêncio! Sem hesitar ele dispara o primeiro tiro. Uma garotinha de aproximadamente 11 anos tomba para o chão. 218! – Conto em pensamento. – Uma mulher se desespera e parte para cima dele, provavelmente essa seria sua mãe. Então, outro tiro. 217. O guarda volta a vociferar. Ele quer saber onde está o responsável. Dessa vez todos apontam para os beliches. Ele está seguindo para lá quando uma mulher grita desesperada para que o Jhone corra. Antes que ela possa alertá-lo de novo seu corpo está no chão. 216. Agora ele alcançara John e assim termino a contagem com 215 corpos no chão.

Assim que os guardas cumprem com seu propósito a equipe encarregada para recolher os mortos chega para fazer a limpeza. Eu me aproximo de um deles. Seu nome é Brendon, ele se tornou um amigo e aliado de confiança aqui dentro. Tem nos dado informações valiosas sobre nossa sobrevivência e está nos ajudando a armar um plano de fuga. A primeira vez que o vi recolhendo os corpos soube que era uma pessoa de bem e só estava ali por que precisava daquele emprego. Aproximei-me e ele pediu que eu não dissesse nada, pois estariam monitorando tudo, a ordem era de que apenas entrassem e limpasse a cúpula, caso contrário pagaria com a vida. Mas demos um jeito nisso, sempre que os guardas se distraíam nos aproximávamos. Porém, o tempo é sempre muito curto e trocamos apenas algumas palavras. Essenciais!

Quando os outros se afastam ele me diz que preciso encontrar logo um jeito de sair dali o quanto antes. Ouviu rumores nos corredores de que aquele lugar iria pelos ares muito em breve, a NASA decidiu que o mundo não deve saber sobre os extraterrestres, o que implica que estaremos mortos a qualquer momento. Um guarda percebe o tempo a mais que ficamos próximos e logo grita para que Brendon se afaste, ele obedece, porém, antes de sair, deixa uma colher de sopa, ferro puro, cair ao chão e sussurra: _ Vocês têm pelo menos mais três dias. – Eu faço um simples movimento com a cabeça em agradecimento.

Mais uma vez tenho a sensação de ter-me esquecido de perguntar algo à Brendon e somente quando o portão se fecha é que consigo perceber o que. “De que forma eles tentariam nos matar?”. Fico pensando nisso pelo resto do dia até encontrar a resposta mais coesa. Eles irão no envenenar! Então, tenho o pensamento mais sombrio e egoísta de toda a minha vida. Decido que não contarei aos outros e deixarei que eles sejam cobaias. Preciso saber de verdade se estou certo.

É meio dia, sei disso porque estão trazendo a primeira refeição. Marmitas de alumínio e colheres descartáveis de plástico. Isso explica o motivo pelo qual o Brandon me deixou um talher de ferro. Jamais conseguiria cavar com um material tão fraco quanto plástico. Tivemos que trocar as colheres pelo menos umas quatro vezes até então já que depois de muito usadas elas se quebram. Eu evito a comida. Meu estomago quer me obrigar a dar uma garfada, então, me afasto. Vou para a minha beliche, espero até que ninguém esteja olhando e me enfio em baixo dela. O buraco está lá. Entro dentro dele e enquanto os outros comem continuo cavando. Cada vez mais fundo. Preciso chegar ao outro lado antes que os três dias passem e eu esteja morto. Ouço o sinal tocar. É hora de recolher o que sobrou. Volto depressa para cima e paço a mão bem forte pela roupa até a terra sair completamente. Ainda não perceberam o que está acontecendo. No entanto, está cada vez mais difícil de esconder a terra. Meu colchão já está cheio e travesseiro também. Talvez seja hora de contar meu plano a alguém e pedir que me deixe usar seu colchão. Ainda não o fiz, pois sempre que pressionados acabam entregando a quem planeja fugir. Não quero me tornar o número 214.

Eu observo a todos procurando um rosto que possa me passar confiança, então, de repente, percebo, uma jovem está olhando para mim fixamente. Não sei durante quanto tempo ela esteve me olhando. Será que me viu sair de baixo do beliche? Provavelmente não, se não já teria contado, mas, talvez, penso, ela possa ser uma boa pessoa, a pessoa de confiança que preciso. Aproximo-me dela e pergunto seu nome. Maria é seu nome. Fico feliz. Maria é o nome de minha mãe. Pergunto há quanto tempo me observa e ela responde que tempo suficiente para saber o que planejo. Desde que cheguei aqui. Fico surpreso. Nunca percebi seus olhares. Decido que irei confiar nela. Teve tempo para me entregar, mas não o fez. Logo, tenho outro colchão para encher de terra. Conto a ela sobre a comida e água. Seus olhos me fuzilam. Não tocaremos mais na comida daqui a três dias. As refeições se seguem e conseguimos resistir até a última do dia. Estamos famintos, mas, esse é o preço que precisamos pagar. Nós nos revezamos a noite para cavar o buraco e o seu colchão já está quase cheio. Ela me diz que precisamos de mais um aliado, eu contesto, mas, ela está certa. Aproximamos-nos de um senhor com pouco menos de sessenta anos, Isaac é o nome dele. Troquei de beliche com ele para ficar mais próximo da lateral da cúpula, assim, teria menos trabalho. Ele concordou em nos deixar usar seu colchão se deixássemos que levasse consigo sua neta. Concordamos.

O dia seguinte chega e estamos novamente recusando as refeições. Meu estomago parece rugir, mas, não posso escutá-lo. Maria, Isaac e eu, esperamos que alguém tombe para o chão convulsionando, porém, nada disso acontece. Começo a pensar que posso estar errado, mas ainda assim não tenho coragem de provar a última refeição do dia. A noite continuamos cavando. Precisamos terminar isso ainda nessa madrugada.

_Ninguém caiu hoje. –Diz Maria.

_Não. –Respondo. –Mas o veneno pode estar se espalhando aos poucos. Saberemos amanhã. –Completo.

_Temos que estar longe daqui antes que comecem a recolher os corpos.

_Estaremos! – Digo.

Isaac volta à superfície ofegante. O dia está quase amanhecendo e é minha vez de cavar. Eu salto para o chão e vou para debaixo do beliche. Enquanto cavo, penso sobre quanto falta para chegar ao outro lado. Que tipo de floresta nos cerca, o quanto teremos que correr quando sairmos dali e sobre como teremos que passar o resto da vida nos escondendo das forças americanas. Penso em todos os outros prisioneiros e sinto pena deles, queria poder ajudar a todos, contar a eles da minha fuga, mostrar uma possibilidade para sobreviverem, mas, isso certamente estragaria tudo. Eu afasto a culpa e continuo cavando. Quando eu meus braços já não aguentam mais sinto uma fresta de ar em meu rosto. Semicerro e consigo ver o que tem acima de mim. É o céu lá fora. E tem árvores também, poucas, provavelmente derrubaram todas ao redor da cúpula. Continuo cavando freneticamente com tudo que tenho. Sim. Eu o vejo. É o céu. Cheio de estrelas. Eu vou a superfície e respiro o ar puro. Ainda não me atrevo a sair completamente. Esqueço-me dos outros e fico observando as luzes. As luzes são lindas, mas, percebo que há algo errado. Ao longe as estrelas estão se movendo rápido de mais. Percebo que não há ninguém vigiando. Não há ninguém que poça nos impedir de fugir. Isso está errado. As luzes estão se aproximando cada vez mais até que tomam forma. Não pode ser. Não são estrelas. São aviões de guerra. Estão vindo para cúpula!

Eu salto para o buraco e estou engatinhando o mais rápido que poço para chegar até o interior da cúpula. Quando chego até lá não processo nada, apenas grito, para que todos fujam. Minhas palavras são:_ Não será por envenenamento, eu estava errado. Eles irão bombardear esse lugar. – Eles estão saltando apavorados de suas camas. Maria está próxima a mim e Isaac está correndo para sua neta. Ele a alcança e corre para minha direção. Nós empurramos o beliche e o buraco fica exposto. Todos estão nos encarando agora, olhando para o buraco. De repente, estão correndo para alcança-lo. Algumas pessoas caem ao chão e estão sendo pisoteadas, outras estão se agredindo mutuamente. Eu grito para Maria e Isaac se apressarem. Eles entram no buraco e eu vou logo atrás. Meus pulmões estão ardendo. Sinto que alguém está engatinhando atrás de mim e quer passar por cima. Rezo para que não fiquemos presos ali e que o buraco não desabe. Não quero morrer sufocado, prefiro os tiros, penso. Vejo o céu acima e respiro aliviado enquanto estou sendo puxado por Maria. Os aviões estão perto, mas, decidimos que ainda dá tempo puxar mais algumas pessoas. Quando puxo o quinto felizardo do buraco, ouço a estrutura de ferro se partir. A cúpula está se abrindo. Fora projetada para isso. Eu estou estupefato, então, ouço alguém gritar para que eu corra. É Brendon. Ele estava ali para me ajudar. Eu estive certo em confiar nele. Não há mais tempo. Paro de pensar, estou escalando a grade ao redor e quando estou fora dela começo a correr desesperadamente para dentro da floresta onde ele está escondido.

Estou no escuro das sombras das árvores e agora, assim que tomo ar suficiente, olho para onde está a cúpula, totalmente aberta e os aviões sobrevoando os outros prisioneiros. Alguns se esconderam em baixo dos beliches. Uma sequência de tiros começa a derrubar os que tentam escapar até que não resta mais nenhum corpo em pé. Mas, ainda não acabou, outro avião, maior que os outros está se aproximando, posso o ver trazer para baixo algo particular. É uma bomba. Precisam se certificar que ninguém sobreviva, então, ela está caindo. Estou a uma boa distância da cúpula, mesmo assim, ponho-me a correr ainda mais juntamente com os outros sobreviventes. Meu coração parece querer saltar peito a fora e meu estomago está sendo esmagado. O som da bomba estourando é perturbador. Olho para trás e então desejo não ter feito. As árvores estão dobrando atrás de nós, caindo rapidamente e levantando uma poeira preta. Desejo poder correr mais, mas, estou no meu limite, eu vou morrer. Estou quase desistindo quando Ouço Brendon Gritar para todos que há um desfiladeiro logo a frente, fico apreensivo. Maria é rápida e já está lá, parou por um segundo, depois, saltou para o abismo. Os outros continuam correndo e repetem a ação. Não posso acreditar na cena a minha frente, é assustadora, todos eles estão saltando e eu estou cada vez mais perto, cada vez mais perto... Eu olho para trás mais uma vez. A poeira está sobre mim, não vejo nada. O abismo! Corro para ele desesperadamente e como se tivesse asas pulo sem pensar para o nada

C O N T I N U A . . .

Héryton Machado Barbosa
Enviado por Héryton Machado Barbosa em 31/03/2014
Reeditado em 31/03/2014
Código do texto: T4750813
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.