Tu te consomes... (março de 2014)

Bárbara adentrou no recinto como uma bala. Seguia seus instintos para as seções em que encontraria mais promoções no supermercado. Atravessou em diagonal desde os primeiros caixas em direção ao fundo. Contou uma, duas, três seções e pronto: estava na seção de produtos matinais. Empurrando um carrinho gigantesco, parou em frente aos cereais.

Encheu o carrinho com três potes grandes de cereais de chocolate e três grandes de cereal de puro milho. Pôs-se a caminhar pelas outras seções e logo estava na seção de produtos de limpeza, na segunda volta, dobrando à esquerda. Lá encontrou a seção de amaciante de roupas e recolheu logo duas embalagens de cinco litros – que acomodou no carro.

“Tu te consomes... de tanto consumir.” Pensou. O gigantesco carrinho desta vez foi até o final da seção e dobrou novamente à direita, dando de cara com a seção de iogurtes. Bárbara comprou logo quatro cartelas grandes de iogurte para o café da manhã dos filhos Giácomo e Paulinho, juntando a estas mais duas cartelas para ela e seu marido Moacir.

Bárbara não tinha muita prudência ao fazer compras mensais de supermercado e feira para casa. Talvez isso se devesse ao distanciamento entre o ganhar dinheiro e gastá-lo. Fazia todas as compras com o cartão de crédito adicional que lhe dera o marido. Como resultado, o que lhe parecia necessário ela comprava sem a menor timidez.

Moacir jamais reclamou com Bárbara sobre as compras que fazia para casa. De fato, às vezes os dois eram igualmente imprudentes. Moacir, não raramente, fazia suas compras – semanais – em que ocorria fazer compras duplicadas de mercadorias que na casa teriam que se esforçar para consumir rapidamente, antes que os produtos pudessem estragar.

Havia, às vezes, uma quantidade muito grande de sucos em caixinha de morango e de laranja, por culpa do desencontro entre as compras de Moacir e de Bárbara. Outras vezes, eram os potinhos de geleia. Tinham que forçar o consumo para que não os perdessem, como de fato acontecia com vários outros produtos que adquiriam.

Vários produtos comprados por Bárbara terminavam, no estoque de casa, por exceder seu prazo de validade. Seu destino, então, era o saco de lixo. Faltava uma maior coordenação entre o que se consumia em casa e o que seria necessário consumir. E, para isso, só um planejamento – o que praticamente inexistia na casa de Bárbara e Moacir – era uma pena.

Guardavam as compras na enorme dispensa, embaixo do vão da escada, dentro do que era o maior cômodo da casa. O lugar tinha algo como dez metros de comprimento, superando com certeza o tamanho da suíte do casal. Guardavam lá, na dispensa, tudo o que não precisasse de refrigeração. O restante, guardavam tudo no refrigerador da cozinha.

O fato de comprarem muita comida que perecia antes do uso (quase sempre na dispensa) ocasionava lá um grande problema com ratos e baratas. Invadiam a dispensa, comiam dos produtos estragados, e assim se proliferavam pela casa. A cada seis meses era necessário dedetizar, para acabar com os bichos indesejáveis.

De volta ao supermercado, Bárbara estacionou o carro gigantesco em frente à seção de arroz e açúcar. Empilhou no carro cinco sacolas de cinco quilos de açúcar e cinco de cinco quilos de açúcar não refinado. O carro já ficando muito entulhado, o empurrou até a seção ao lado, onde encontrou caixinhas de leite desnatado. Recolheu vinte no carrinho.

“Senhora, licença, por favor,” disse um rapaz dirigindo uma pequena empilhadeira lotada de sacos de seis quilos de sabão em pó. Bárbara deu licença para que o rapaz passasse e aproveitou a deixa para retirar da empilhadeira um saco grande do sabão – o que acomodou logo na frente do carrinho.

Neste instante, sua memória falhando, resolveu retirar da bolsa a lista de compras. Até então, não havia sido preciso consultá-la. Em cada seção, Bárbara sabia muito bem o que seria preciso comprar para casa. Na lista, necessitava de café – e a seção ficava do outro lado do supermercado, exatamente por onde havia entrado. Não havia notado o café naquele lado.

Bárbara teve que pedir licença a uma consumidora que fechava seu caminho e deu a volta por ela. Rumou para a seção em um passo reto, passando pelo meio de todas as seções até a seção de café. Lá chegando, encontrou cafés de todos os tipos e preços. Optou pelo mais saboroso – não fez economia. Jogou no carrinho quinze pacotes de café extra-forte.

Repentinamente, pensou em economia. Sentia-se tocada pelo argumento que só se deve comprar aquilo de que realmente se precisa. Na gôndola ao lado daquela dos cafés, na mesma seção, havia pacotes embalados a vácuo de carne-seca. Juntou dez pacotes – era para durar uma infinidade de tempo – e acomodou junto às outras compras em seu grande carrinho.

Depois, mais uma olhada na lista de compras, e viu que teria de ir à seção de farináceos. Aproveitou para perguntar para um funcionário sobre a seção: Era a terceira do outro lado do supermercado. Agradecendo ao funcionário, Bárbara tocou o carro (pesado) pacientemente até a seção. “Tu te consomes... de tanto consumir”.

Chegando à seção de farináceos, foi juntando de quatro a quatro os pacotes de diferentes farinhas: quatro de farinha de trigo, quatro de farinha de mandioca, e quatro de fubá. Afastou algumas mercadorias dos lados do carrinho e acomodou as farinhas no meio, caindo mais ao fundo, porém mais protegidas dos solavancos do carrinho de supermercado.

Esta era a hora que faltava para toda boa dona de casa: Sua felicidade encontrava-se na seção de produtos de higiene e de beleza. Depois de um dia cansativo como aquele, precisava da ajuda de alguns produtos. Lá chegando, foi logo juntando três pequenos frascos de óleo de amêndoas, três de creme para o rosto, e três de creme para o corpo.

Agora, estava tudo terminado: Reclamando consigo mesma de uma dorzinha no pé, dentro de um sapato muito apertado, Bárbara ajeitou mais ou menos suas mercadorias no carrinho – onde os produtos de higiene foram acomodados na parte inferior, debaixo das compras, perto das rodinhas – e foi empurrando tudo até a área de pagamento, no caixa três. Fim.

Leo Marques
Enviado por Leo Marques em 24/03/2014
Reeditado em 13/07/2017
Código do texto: T4741376
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